Texto de Sarah Leal
INTUSSUSCEPÇÃO
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A intussuscepção ou invaginação intestinal é uma condição em que um segmento do intestino invagina-se no segmento imediatamente seguinte. Na maior parte dos casos, a parte invaginada penetra na parte imediata distal.
A intussuscepção constitui 15% dos casos de obstrução intestinal. É mais comum em crianças até os dois anos de idade. Em adultos, aparece caracteristicamente com dor abdominal em cólica e uma massa palpável, mas sem causar obstrução completa ou hemorragia retal.
A região anatomicamente mais propícia à intussuscepção é a ileocecal, onde o íleo estreito penetra com facilidade no ceco, principalmente se distendido.
A intussuscepção pode ser entérica, enterocólica ou cólica.
A entérica envolve apenas o intestino delgado e é bastante incomum. A variedade cólica também é incomum, embora mais freqüente que a entérica.
A variedade mais predominante é a enterocólica, que pode apresentar-se sob a forma ileocecal (em que a válvula ileocecal é a cabeça da invaginação) ou a forma ileocólica (em que a cabeça da invaginação é um segmento do íleo terminal anterior à válvula).
Na forma enterocólica, uma parte do mesentério pode seguir o íleo, resultando em constricção e estrangulamento dos vasos intestinais, com edema, hemorragia e, por fim, gangrena da alça. A irritação causada pela invaginação promove uma hipersecreção da mucosa intestinal. A parte da alça que primeiro invagina e progride no interior da alça envolvente pode chegar a ser expulsa pelo ânus em casos graves.
Sem tratamento, a evolução mais comum da intussuscepção é uma obliteração total da luz intestinal, com obstrução aguda com possível peritonite ou toxemia, levando ao óbito. Em casos raros, a parte invaginada torna-se completamente gangrenada e é evacuada como tecido morto.
A causa da intussuscepção parece ser a presença de alguma condição que promova o aumento do peristaltismo. Ocorre comumente na fase do desmame da criança, quando o intestino pode conter um fragmento sólido de alimento ingerido pela criança. Em adultos, a causa mais freqüente de intussuscepção são os tumores intestinais.
A sintomatologia mais característica inclui dor abdominal; evacuação de muco e sangue; vômitos; massa abdominal; peristaltismo visível; parada de eliminação de fezes e gases; ausência do ceco em sua posição normal na fossa ilíaca direita; tenesmo; distensão do abdome; febre (eventualmente); protrusão da cabeça da invaginação no ânus; choque e peritonite em fases tardias.
A dor é bastante severa, embora incontínua, pois corresponde às intensas contrações peristálticas do intestino. A intensidade da dor é demonstrada pelos sinais de choque que a acompanham, como palidez facial extrema, midríase e ansiedade.
A evacuação de sangue e muco varia com o nível da invaginação. Ocorre mais tarde se a invaginação começa no íleo e mais cedo se começa no colo transverso. Não se deve esperar pelo seu aparecimento para firmar o diagnóstico, pois podem se passar de apenas algumas horas a quarenta e oito horas até o início da eliminação de material. A quantidade de sangue eliminada não costuma ser grande e pode vir acompanhada de muco pegajoso, material castanho-amarelado ou fezes.
Os vômitos, se presentes, indicam obstrução completa instalada ou peritonite. O material vomitado é gástrico ou bilioso, raramente fecalóide. A distensão abdominal também pode ser evidenciada.
Pode ser palpada massa abdominal, em especial logo após enterorragia. A massa pode variar de localização de acordo com a progressão da alça invaginada através do colo, indo do flanco direito até a região ilíaca esquerda. É em geral ovalada e torna-se mais dura quando da contração peristáltica da camada muscular do intestino. A massa freqüentemente é palpável, mas pode ser necessária anestesia para o relaxamento da parede abdominal e palpação adequada. Se a intussuscepção estiver coberta pelo fígado, a massa não costuma ser palpável, o que leva a sérios erros diagnósticos.
Na invaginação enterocólica observa-se esvaziamento da fossa ilíaca direita devido à penetração do ceco no colo invaginante e sua progressão no sentido do hipocôndrio direito (sinal de Dance). Esse dado é de grande importância para diferenciar uma intussuscepção de uma colite.
A parada de eliminação de gases e fezes só acontece em fases mais avançadas da intussuscepção e o diagnóstico não deve estar vinculado ao seu aparecimento.
Se a cabeça da invaginação aproximar-se do ânus, pode haver tenesmo e repetidos esforços para defecar (em especial em crianças). A cabeça da invaginação pode ser sentida ao toque retal e em alguns casos pode emergir pelo ânus como uma massa mole e congestionada.
Pode ser observada febre de 37,8°C ou mais alta.
O diagnóstico deve ser feito a partir da idade do paciente, anamnese e exame físico. Os casos mais duvidosos são aqueles sem massa palpável e nos períodos de diminuição da dor.
Deve ser feito um clister opaco, o qual, além de firmar o diagnóstico, pode mesmo desfazer a invaginação.
Inicialmente, a intussuscepção deve ser diferenciada de cólicas simples, colite e pólipo retal. Em fases mais avançadas, seu diferencial inclui prolapso de reto, púrpura de Henoch-Schölein e outras causas de obstrução e peritonite.
A cólica intestinal simples não cursa com dor tão acentuada nem sinais de choque. Não há massa palpável nem eliminação de sangue ou muco. A dor melhora após evacuação (freqüentemente de material alimentar não digerido).
A colite e a enterocolite são especialmente difíceis de distinguir da intussuscepção em crianças pequenas. A colite freqüentemente vem acompanhada de evacuação com sangue e muco, mas é geralmente precedida por uma fase inicial de diarréia sem sangue. A colite acomete mais crianças desnutridas, ao contrário da intussuscepção. Na colite, a quantidade de fezes e a freqüência das evacuações é maior. Não há massa abdominal palpável nem esvaziamento da fossa ilíaca direita na colite, bem como não há sinais de obstrução e distensão abdominal. A presença de febre pode ser comum a ambas as condições.
O prolapso retal deve ser distinguido de uma intussuscepção exteriorizada. No prolapso, existe um anel de mucosa prolapsada em torno de uma abertura central e o dedo não pode ser inserido entre a mucosa e o esfíncter externo. Na intussuscepção, a massa exteriorizada tem um orifício próximo à sua face posterior e o dedo pode ser inserido entre suas partes lateral e anterior e o esfíncter. Nessa fase, aparecem também sintomas de obstrução intestinal importante.
A púrpura de Henoch-Schölein se caracteriza por dor abdominal, vômitos, evacuação de sangue, artrite e exantema purpúrico. Costuma acometer crianças a partir dos quatro anos.
São relatados alguns casos de intussuscepção crônica, com apenas ligeiros sinais de obstrução intestinal, mas com progressão repetida das crises de dor, algumas vezes a grandes intervalos. É comum que a evacuação seja normal ou quase normal até o momento final da obstrução, o que pode confundir e atrasar o diagnóstico.
Se houver dúvida diagnóstica em casos de suspeita de intussuscepção, mesmo com a realização de exame completo e repetido, é preferível levar o paciente à cirurgia a esperar que a doença evolua até uma obstrução completa.
Quando ocorre em pessoas idosas, a intussuscepção geralmente atinge a região sigmoido-retal, causando dores hipogástricas e tenesmo, bem como eliminação de mudo e, mais tardiamente, sangue. O exame retal demonstra a cabeça edemaciada da invaginação e, em alguns casos, um tumor maligno pode ser a própria cabeça da invaginação.
- Diagnóstico Precoce do Abdome Agudo, sir Zacarias Cope. 2ª edição. Livraria Atheneu – Rio de Janeiro –São Paulo 1976