Texto de Viviane Teixeira
PERSONALIDADE
Entende-se por personalidade, de acordo com Bastos (1997), como o conjunto de traços psíquicos, constituído a partir das características individuais associadas a fatores ambientais, que incluem os físicos, biológicos, psíquicos e socioculturais, agregando aspectos inatos e adquiridos por meio de experiência de vida. A personalidade, embora se apresente relativamente estável ao longo da existência de um indivíduo, adquire também um aspecto dinâmico, estando sujeito a modificações, de acordo com mudanças existenciais ou alterações neurobiológicas que possam surgir, ou seja, está em constante desenvolvimento.
Segundo Mira y Lopez (1943), existem 3 aspectos relacionados à personalidade e sua expressão.
A Constituição corporal, primeiro deles, é tida como o conjunto de propriedades morfológicas, metabólicas, bioquímicas e hormonais, entre outras, transmitidas aos indivíduos em especial por mecanismos genéticos. É ela que determina, em sua maior parte, o aspecto do indivíduo, sua aparência física, seus gestos e estilo dos movimentos, sua voz, influenciando, de forma significativa, as experiências psicológicas a serem vividas por um indivíduo. Além da Constituição corporal, temos o Temperamento, que é caracterizado pelo conjunto de particularidades psicofisiológicas e psicológicas inatas, determinados por fatores genéticos ou constitucionais precoces produzidos por fatores endócrinos ou metabólicos, por meio das quais se consegue distinguir um indivíduo de outro. Existem os temperamentos astênicos, mais propensos à passividade, e os estênicos, mais ativos e com tendência à iniciativa e respostas rápidas aos estímulos ambientais. Em geral, o temperamento em uma pessoa se apresenta de forma combinada, com presença de aspectos inatos e outros adquiridos pela convivência em família e sociedade. Por último, temos o Caráter, cujo significado para a psicopatologia se refere à soma de traços de personalidade, expressas no modo básico do indivíduo reagir perante a vida, seu estilo pessoal, suas interações sociais, gostos e aptidões, ou seja, é o temperamento moldado pelo convívio familiar e sociocultural, sendo resultado da interação entre o temperamento e as expectativas e exigências conscientes e inconscientes daqueles que o criaram. Caráter e temperamento não devem ser tidos como sinônimos e, inclusive, podem adquirir significados opostos, por sobrecompensação psíquica.
Os tipos de personalidade surgiram, inicialmente, com a escola hipocrática-galena, em que as questões médicas repousavam sobre a Teoria dos 4 elementos (água, terra, ar, fogo), de Empédocles, filósofo pré-socrático. Hipócrates de Cós trouxe a concepção do organismo com 4 fluidos ou humores básicos (sangue, bílis, fleuma ou linfa, atrabílis), cuja convivência harmoniosa estará intimamente ligada à manutenção da saúde de um indivíduo. Os tipos humanos, ou temperamentos, portanto, estão relacionados aos 4 humores, segundo Gaillat (1976): Sanguíneo (fácies rosada, porte atlético, musculatura consistente e firme. É expansivo e otimista, mas também irritável e impulsivo), Fleumático ou linfático (fácies pálida, formas arredondadas, olhar doce e vago. É sonhador, pacífico e dócil, tendendo a levar uma vida sem paixões), Colérico ou bilioso (olhar ardente e protuberâncias musculares evidentes, vontade tenaz e muitas vezes poderosa, com tendência à ambição e desejo de domínio), Melancólico ou atrabiliário (nervoso, olhar triste, músculos pouco desenvolvidos, caráter muito excitável, com tendência ao pessimismo, ao rancor e à solidão). Para Hipócrates, existem 3 formas básicas de doença mental: a melancolia (forma discreta de loucura), a mania (forma exuberante de loucura) e a frenitis (loucura com febre).
Para Jung, a personalidade é constituída por instâncias, que serão descritas adiante. A primeira delas é a persona, que representa a dimensão exterior e relacional da personalidade, uma espécie de “máscara social” utilizada nas relações sociais, sendo também chamada de “papel social”. Muitas vezes, o indivíduo se perde na sua concepção de função ou papel social, assumindo isso como o todo e eliminando o homem que existe além ou aquém. Além da persona, temos a sombra, que representa os elementos inconscientes e inaceitáveis da personalidade, reprimidos pela consciência, ou seja, aspectos de nossa personalidade que rejeitamos e repugnamos veementemente, e que, muitas vezes, pode ser projetada em outro indivíduo. Outros aspectos seriam Anima e Animus. O primeiro termo se refere ao conjunto de elementos femininos inconscientes presentes em todos os homens, provenientes de experiências relacionadas à figura feminina, sendo a primeira e mais importante delas a figura da mãe. O Animus, ao contrário, é o conjunto de elementos masculinos presentes no psiquismo feminino, de forma principalmente inconsciente, cujo principal representante é a figura paterna. Por último, temos o conceito de self, algo a que o indivíduo se destina no seu desenvolvimento interior, que passa a ocupar o centro da personalidade quando o desenvolvimento e autoconhecimento pessoal produzem alargamento do mundo interior.
Ainda de acordo com Jung, existem 2 aspectos fundamentais da personalidade: o movimento e direção da libido ou energia psíquica, os quais caracterização a atitude do indivíduo como de introversão ou extroversão. Na introversão, a libido recua perante os objetivos do mundo externo, voltando-se ao seu interior, e o mundo externo é considerado ameaçador ou sem importância, de modo que as satisfações e referências são provenientes do mundo interior. Na extroversão, ao contrário, a libido flui sem embaraço ou dificuldade em direção aos objetos externos, e é no mundo externo que esses indivíduos encontram suas satisfações.
Além do movimento e direção da libido, há ainda as funções psíquicas básicas utilizadas para adaptação ao mundo: a sensopercepção, que capta e identifica com precisão os objetos do mundo externo e permite contato direto com a realidade; o pensamento, que esclarece o significado dos objetos, a racionalidade e lógica dos processos da vida; o sentimento, relacionado à capacidade de estimar afetivamente o mundo; e a intuição, tida como uma percepção inconsciente, uma apreensão imediata de como os objetos do mundo se comportam e como os fenômenos nos ocorrem. Segundo Jung, todos os indivíduos apresentam uma dessas funções de forma predominante, considerada principal, outra como auxiliar da principal, uma terceira muito rudimentar e quase silenciosa, e uma quarta considerada função inferior, inconsciente. As funções dispõem-se em pares, sendo o primeiro deles o do pensamento versus sentimento, e o outro o da sensopercepção versus intuição. A partir disso, seriam formados 8 tipos humanos fundamentais: sentimento introvertido, sentimento extrovertido, pensamento introvertido, pensamento extrovertido, intuição introvertido, intuição extrovertido, percepção introvertido e percepção extrovertido.
Para Freud, segundo a psicanálise, as fixações infantis da libido e a tendência à regressão acabam por determinar tanto os diversos tipos de neuroses, como o perfil de personalidade do adulto, formado a partir dos relacionamentos que se estabelecem no interior das relações familiares. Na criança, a primeira forma e organização do desejo libidinal está relacionada à fase oral, que se estende ao longo do primeiro ano de vida. O indivíduo fixado nessa fase não suporta a privação, dificuldade com a rejeição, e seu exagero é descrito como dependente, sem iniciativa, passivo e acomodado. A segunda fase é a anal, caracterizada pelo interesse e prazer da criança em reter e expelir fezes e corresponde ao segundo e ao terceiro ano de vida. Desse modo, o indivíduo sente prazer tanto em reter seus afetos, atos e pensamentos, quanto em expelir de forma abrupta esses elementos psíquicos, sendo, portanto, ambivalente. Apresentam traços de caráter obsessivo e compulsivo. A terceira, de 3 a 5 anos, é a fase fálica, em que há interesse crescente pelos próprios órgãos genitais. No contexto do Complexo de Édipo, a conflitiva da criança é marcada pelo amor e desejo dirigidos ao genitor do sexo oposto e ódio e rivalidade ao genitor de mesmo sexo. O tipo fálico pode tender a um exibicionismo físico e mental, a um narcisismo de suas qualidades ou uma inibição amedrontada de desejar algo que lhe seja de valor.
Sob outro aspecto, Ernest Kretschmer busca dividir os tipos humanos em 3 espécies morfológicas e psicológicas distintas: os brevelíneos, os longilíneos e os atléticos. Os longelíneos são indivíduos em que há predominância do diâmetro longitudinal, vertical, tem corpos delgados, ombros estreitos, peito aplainado, rosto largo e estreito, membros e pés são longos e delgados, e a personalidade tenderia à esquizoidia. Tendem a privilegiar o cerebral em contraposição ao vital, o lógico em contraposição ao afetivo, o esquemático em contraposição ao dinâmico. Nos brevelíneos predomina o diâmetro Antero-posterior do tronco, principalmente do abdome, o rosto é arredondado e os mebros, curtos. Tenderiam à ciclotimia ou à sintonia, com a característica de sintonizar afetivamente com as pessoas circundantes. O tipo atlético ou muscular seria uma forma intermediária entre os descritos anteriormente. O sistema ósseo e o muscular são desenvolvidos, há predomínio do diâmetro transversal, e tenderiam à esquizofrenia ou à epilepsia.
BIBLIOGRAFIA
Psicopatologia e Semiologia dos transtornos mentais - Paulo Dalgalarrondo - 2000