(→Classificação e Manifestações Clínicas) |
|||
(5 edições intermediárias não estão sendo exibidas.) | |||
Linha 8: | Linha 8: | ||
O emprego da radioterapia (RT), em adjuvância ou neoadjuvância, tem-se tornado cada vez mais freqüente ao longo do tratamento de tipos diversos de neoplasias, como as sitiadas em trato genital feminino, próstata, bexiga e reto. Muito embora esse recurso tenha modificado sobremaneira o prognóstico, a sobrevida e a qualidade de vida de muitos pacientes oncológicos; apresenta, como desvatagem inerente ao método, lesão a grupos teciduais sadios contíguos às massas tumorais. Estas, por vezes, apresentam-se tão severas, a limitar a dose total de radiação oferecida. | O emprego da radioterapia (RT), em adjuvância ou neoadjuvância, tem-se tornado cada vez mais freqüente ao longo do tratamento de tipos diversos de neoplasias, como as sitiadas em trato genital feminino, próstata, bexiga e reto. Muito embora esse recurso tenha modificado sobremaneira o prognóstico, a sobrevida e a qualidade de vida de muitos pacientes oncológicos; apresenta, como desvatagem inerente ao método, lesão a grupos teciduais sadios contíguos às massas tumorais. Estas, por vezes, apresentam-se tão severas, a limitar a dose total de radiação oferecida. | ||
- | As complicações intestinais | + | As complicações intestinais não raramente se fazem presentes na evolução clínica de trans/pós-irradiação no tratamento dos tipos de neoplasias já citados (0,5-11%), podem-se apresentar como fístulas, abcessos, desnutrição, obstrução e hemorragias. Além do compartimento intestinal, gônadas, tecido linfático e medula óssea sobressaem-se dentre os órgãos mais vulneráreis à radioterapia. |
== Fisiopatologia == | == Fisiopatologia == | ||
- | + | O dano ocorre na medida em que as moléculas de água teciduais, ao receberem as doses repetidas de radiação, sofrem ionização e então promovem dano ao DNA (principalmente), ao RNA e às membranas intracelulares, gerando inflamação e comprometimento funcional. | |
== Classificação e Manifestações Clínicas == | == Classificação e Manifestações Clínicas == | ||
- | No que diz respeito | + | No que diz respeito ao intestino, sabe-se que a lesão orgânica decorrente da RT atinge camadas teciduais a depender do momento do tratamento. Durante as sessões, a mucosa revela-se mais sensível (EA aguda); meses-anos após a irradiação, o órgão como um todo pode ser atingido (EA crônica). Cada uma dessas fases de lesão cursam com achados histopatológicos e manifestações clínicas distintas, requerendo abordagens terapêuticas específicas. |
- | * FASE AGUDA DE | + | * FASE AGUDA DE LESÃO (EA aguda) - período trans-irradiação |
- | Ocorre em praticamente todos os pacientes submetidos aos protocolos de radioterapia. Na mucosa intestinal | + | Ocorre em praticamente todos os pacientes submetidos aos protocolos de radioterapia. Na mucosa intestinal contíngua à área irradiada, surgem ulcerações (reversíveis), havendo conseqüente perda de líquido e proteínas, pequenas hemorragias e infecções secundárias. Em 75% dos casos, o quadro regride mediante simples suspensão da RT, após um período de 6 a 8 semanas. Clinicamente, manifestam-se com náuseas,vômitos, diarréia, adinamia, dor abdominal (cólicas) e adinamia. |
* FASE CRÔNICA DE LESÃO (EA crônica) - período pós-irradiação (meses a anos) | * FASE CRÔNICA DE LESÃO (EA crônica) - período pós-irradiação (meses a anos) | ||
- | O efeito deletério predominante se dá a nível de parede arteriolar intestinal. Há o que se chama de endoarterite obliterante e conseqüente isquemia regional. Disso decorrem ulcerações, necrose segmentares, abcessos, fístulas, perfurações, fibrose e obstrução (bastante freqüente). O período de latência, entre a exposição à radiação até a expressão clínica, varia significativamente – 3 meses a 15 anos, | + | O efeito deletério predominante se dá a nível de parede arteriolar intestinal. Há o que se chama de ''endoarterite obliterante'' e conseqüente isquemia regional. Disso decorrem ulcerações, necrose segmentares, abcessos, fístulas, perfurações, fibrose e ''obstrução'' (bastante freqüente). O período de latência, entre a exposição à radiação até a expressão clínica, varia significativamente – 3 meses a 15 anos, com média de 2 anos. A estenose, seqüela da fibrose, apresenta-se com distensão abdominal, cólicas, hiporexia, hipoalbuminemia. Quando atinge o reto, ocorre puxo, tenesmo, urgência, retrorragia, anemia, hipoalbuminemia e desbutrição. Vale ressaltar que, embora segmentar, a necrose não obrigatoriamente se dá em apenas um trecho intestinal, justificando o rastreamento de lesões sincrônicas ou metacrônicas em íleo mesmo após o achado de acometimento retal. |
== Diagnóstico == | == Diagnóstico == | ||
O diagnóstico da enterite actínica depende basicamente da história exposicional associada a uma clínica compatível com a fase aguda ou crônica de lesão. Métodos complementares podem ser utilizados: | O diagnóstico da enterite actínica depende basicamente da história exposicional associada a uma clínica compatível com a fase aguda ou crônica de lesão. Métodos complementares podem ser utilizados: | ||
- | + | * Rx contrastado de intestino delgado – avaliação de jejuno e íleo – (certas vezes impossibilitado em razão do quadro obstrutivo concomitante) | |
- | + | * Retossigmoidoscopia – avaliação retal – indicada sobretudo quando há presença de queixa de sangramento. A biópsia retal revela-se pouco útil na confirmação diagnóstica. | |
- | Como diferenciais à enterite actínica, devem ser lembradas como possibilidades diagnósticas doenças inflamatórias intestinais (D. de Chron), isquemia mesentérica. | + | Como diferenciais à enterite actínica, devem ser lembradas como possibilidades diagnósticas de doenças inflamatórias intestinais (D. de Chron), isquemia mesentérica. |
== Estratégia Terapêutica == | == Estratégia Terapêutica == | ||
O tratamento, conforme já mencionado, depende da fase de lesão secundária à radiação, a saber: | O tratamento, conforme já mencionado, depende da fase de lesão secundária à radiação, a saber: | ||
- | - fase aguda: suporte clínico, com emprego de sintomáticos. Fármacos | + | - fase aguda: suporte clínico, com emprego de sintomáticos. Fármacos constipantes (cloridrato de loperamida por exemplo), quando descartada a presença de infecção bacteriana superposta, constituem o arsenal terapêutico no caso. Quando o componente de hemorragia digestiva se revela importante, o suporte hemoterápico pode ser oferecido, seja com a suplementação de sulfato ferroso, seja com hemotransfusões. |
- | - fase crônica: no tratamento da obstrução intestinal, devem ser prescritos dieta laxativas (ricas em fibras e líquidos), antibioticoterapia oral (visando à redução da proliferação bacteriana pela estase do conteúdo intestinal) e, em casos selecionados, abordagem cirúrgica (5% dos casos), pela técnica de exclusão (segmento intestinal preservado) ou de ressecção (segmento intestinal removido). Na ocorrência de retrorragia, a colostomia constitui uma opção terapêutica, embora não seja o procedimento de escolha. Faz habitualmente ressecção local com conservação de esfíncteres, tendo em vista que a incontinência fecal coloca-se como complicação. | + | - fase crônica: no tratamento da obstrução intestinal, devem ser prescritos dieta laxativas (ricas em fibras e líquidos), antibioticoterapia oral (visando à redução da proliferação bacteriana pela estase do conteúdo intestinal) e, em casos selecionados, abordagem cirúrgica (5% dos casos), pela técnica de ''exclusão'' (segmento intestinal preservado) ou de ''ressecção'' (segmento intestinal removido). Na ocorrência de retrorragia, a colostomia constitui uma opção terapêutica, embora não seja o procedimento de escolha. Faz-se habitualmente ressecção local com conservação de esfíncteres, tendo em vista que a incontinência fecal coloca-se como complicação. |
== Prevenção e prognóstico == | == Prevenção e prognóstico == | ||
- | Atualmente a prevenção da enterite actínica impõe-se cada vez mais significativa na prática médica durante o acompanhamento de pacientes portadores de neoplasias pélvicas submetidos a protocolos radioterápicos. Nesse sentido, devem-se observar atentamente fatores predisponentes ao seu desenvolvimento – emprego de doses elevadas, técnicas de radiação inadequadas, cirurgias prévias de abdome e pelve, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, combinação de quimioterapia e radioterapia. Além disso, o uso de telas de ácido poliglicólico, poliglactina – materiais que absorvem radiação – também é indicado. | + | Atualmente a prevenção da enterite actínica impõe-se cada vez mais significativa na prática médica durante o acompanhamento de pacientes portadores de neoplasias pélvicas submetidos a protocolos radioterápicos. Nesse sentido, devem-se observar atentamente fatores predisponentes ao seu desenvolvimento – emprego de doses elevadas de radiação, técnicas de radiação inadequadas, cirurgias prévias de abdome e pelve, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, combinação de quimioterapia e radioterapia. Além disso, o uso de telas de ácido poliglicólico, poliglactina – materiais que absorvem radiação – também é indicado. |
- | No que | + | No que diz respeito ao prognóstico, de um modo geral, sabe-se que as lesões de delgado e grosso cursam com mais morbimortalidade que as de reto e sigmóide. A mortalidade geral encontra-se em 10-25%, enquanto a pós operatória pode chegar até a 50%, sobretudo decorrente de deiscência de sutura da ferida operatória, quando essa é realizada na abordagem das lesões de fase crônica. |
+ | |||
+ | == Bibliografia == | ||
+ | |||
+ | - Diagnosis and management of chronic radiation enteritis - UpToDate Junho/2012 | ||
+ | |||
+ | - Gastrointestinal toxicity of radiation therapy - UpToDate Junho/2012 | ||
+ | |||
+ | - Fundamentos da Cirurgia Digestiva - Edições UFC |
Texto de Thyago Araújo
Enterite Actínica
Tabela de conteúdo |
O emprego da radioterapia (RT), em adjuvância ou neoadjuvância, tem-se tornado cada vez mais freqüente ao longo do tratamento de tipos diversos de neoplasias, como as sitiadas em trato genital feminino, próstata, bexiga e reto. Muito embora esse recurso tenha modificado sobremaneira o prognóstico, a sobrevida e a qualidade de vida de muitos pacientes oncológicos; apresenta, como desvatagem inerente ao método, lesão a grupos teciduais sadios contíguos às massas tumorais. Estas, por vezes, apresentam-se tão severas, a limitar a dose total de radiação oferecida.
As complicações intestinais não raramente se fazem presentes na evolução clínica de trans/pós-irradiação no tratamento dos tipos de neoplasias já citados (0,5-11%), podem-se apresentar como fístulas, abcessos, desnutrição, obstrução e hemorragias. Além do compartimento intestinal, gônadas, tecido linfático e medula óssea sobressaem-se dentre os órgãos mais vulneráreis à radioterapia.
O dano ocorre na medida em que as moléculas de água teciduais, ao receberem as doses repetidas de radiação, sofrem ionização e então promovem dano ao DNA (principalmente), ao RNA e às membranas intracelulares, gerando inflamação e comprometimento funcional.
No que diz respeito ao intestino, sabe-se que a lesão orgânica decorrente da RT atinge camadas teciduais a depender do momento do tratamento. Durante as sessões, a mucosa revela-se mais sensível (EA aguda); meses-anos após a irradiação, o órgão como um todo pode ser atingido (EA crônica). Cada uma dessas fases de lesão cursam com achados histopatológicos e manifestações clínicas distintas, requerendo abordagens terapêuticas específicas.
Ocorre em praticamente todos os pacientes submetidos aos protocolos de radioterapia. Na mucosa intestinal contíngua à área irradiada, surgem ulcerações (reversíveis), havendo conseqüente perda de líquido e proteínas, pequenas hemorragias e infecções secundárias. Em 75% dos casos, o quadro regride mediante simples suspensão da RT, após um período de 6 a 8 semanas. Clinicamente, manifestam-se com náuseas,vômitos, diarréia, adinamia, dor abdominal (cólicas) e adinamia.
O efeito deletério predominante se dá a nível de parede arteriolar intestinal. Há o que se chama de endoarterite obliterante e conseqüente isquemia regional. Disso decorrem ulcerações, necrose segmentares, abcessos, fístulas, perfurações, fibrose e obstrução (bastante freqüente). O período de latência, entre a exposição à radiação até a expressão clínica, varia significativamente – 3 meses a 15 anos, com média de 2 anos. A estenose, seqüela da fibrose, apresenta-se com distensão abdominal, cólicas, hiporexia, hipoalbuminemia. Quando atinge o reto, ocorre puxo, tenesmo, urgência, retrorragia, anemia, hipoalbuminemia e desbutrição. Vale ressaltar que, embora segmentar, a necrose não obrigatoriamente se dá em apenas um trecho intestinal, justificando o rastreamento de lesões sincrônicas ou metacrônicas em íleo mesmo após o achado de acometimento retal.
O diagnóstico da enterite actínica depende basicamente da história exposicional associada a uma clínica compatível com a fase aguda ou crônica de lesão. Métodos complementares podem ser utilizados:
Como diferenciais à enterite actínica, devem ser lembradas como possibilidades diagnósticas de doenças inflamatórias intestinais (D. de Chron), isquemia mesentérica.
O tratamento, conforme já mencionado, depende da fase de lesão secundária à radiação, a saber:
- fase aguda: suporte clínico, com emprego de sintomáticos. Fármacos constipantes (cloridrato de loperamida por exemplo), quando descartada a presença de infecção bacteriana superposta, constituem o arsenal terapêutico no caso. Quando o componente de hemorragia digestiva se revela importante, o suporte hemoterápico pode ser oferecido, seja com a suplementação de sulfato ferroso, seja com hemotransfusões.
- fase crônica: no tratamento da obstrução intestinal, devem ser prescritos dieta laxativas (ricas em fibras e líquidos), antibioticoterapia oral (visando à redução da proliferação bacteriana pela estase do conteúdo intestinal) e, em casos selecionados, abordagem cirúrgica (5% dos casos), pela técnica de exclusão (segmento intestinal preservado) ou de ressecção (segmento intestinal removido). Na ocorrência de retrorragia, a colostomia constitui uma opção terapêutica, embora não seja o procedimento de escolha. Faz-se habitualmente ressecção local com conservação de esfíncteres, tendo em vista que a incontinência fecal coloca-se como complicação.
Atualmente a prevenção da enterite actínica impõe-se cada vez mais significativa na prática médica durante o acompanhamento de pacientes portadores de neoplasias pélvicas submetidos a protocolos radioterápicos. Nesse sentido, devem-se observar atentamente fatores predisponentes ao seu desenvolvimento – emprego de doses elevadas de radiação, técnicas de radiação inadequadas, cirurgias prévias de abdome e pelve, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, combinação de quimioterapia e radioterapia. Além disso, o uso de telas de ácido poliglicólico, poliglactina – materiais que absorvem radiação – também é indicado.
No que diz respeito ao prognóstico, de um modo geral, sabe-se que as lesões de delgado e grosso cursam com mais morbimortalidade que as de reto e sigmóide. A mortalidade geral encontra-se em 10-25%, enquanto a pós operatória pode chegar até a 50%, sobretudo decorrente de deiscência de sutura da ferida operatória, quando essa é realizada na abordagem das lesões de fase crônica.
- Diagnosis and management of chronic radiation enteritis - UpToDate Junho/2012
- Gastrointestinal toxicity of radiation therapy - UpToDate Junho/2012
- Fundamentos da Cirurgia Digestiva - Edições UFC