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(→Síndrome Urêmica) |
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As toxinas ainda deprimem a função neutrofílica, favorecendo o surgimento de infecções bacterianas e fúngicas que potencialmente podem evoluir para sepse grave. Também ocorre discreta linfopenia e disfunção linfocitária. A imunidade humoral está deprimida, notadamente ao combate do HBV e ao vírus da influenza. | As toxinas ainda deprimem a função neutrofílica, favorecendo o surgimento de infecções bacterianas e fúngicas que potencialmente podem evoluir para sepse grave. Também ocorre discreta linfopenia e disfunção linfocitária. A imunidade humoral está deprimida, notadamente ao combate do HBV e ao vírus da influenza. | ||
A anemia, por ter mecanismo muito mais complexo será tratada em um tópico a parte. | A anemia, por ter mecanismo muito mais complexo será tratada em um tópico a parte. | ||
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+ | ===Distúrbios decorrente da perda de função endócrina === |
Texto de Raimundo Luiz da Silveira Neto
Insuficiência Renal Crônica
Os rins desempenham uma série de funções no organismo: eliminam as toxinas advindas do metabolismo, regulam as concentrações dos eletrólitos, o volume extracelular, o pH sanguíneo e a pressão arterial. Os rins têm ainda importante função endócrina, sendo responsáveis pela síntese da eritropoietina e pela síntese da forma ativada da vitamina D. A insuficiência renal crônica (IRC) é a perda lenta, progressiva e irreversível dessas funções.
Tabela de conteúdo |
A IRC é insidiosa. Com uma perda de até 50% da função renal, os pacientes podem não exibir quaisquer sintomas. Isso ocorre porque os néfrons têm uma enorme reserva funcional, ou seja, os rins têm maior potencial de filtração que o mínimo necessário para a homeostase. Basta lembrar que é possível viver com um único rim. Não bastasse a grande reserva funcional, mais uma propriedade do néfron favorece a pobreza de sintomas no início da doença: a sua capacidade de adaptação. Os néfrons sobreviventes passam a exercer as atividades dos néfrons perdidos. Não é exagero dizer que, quando vários néfrons morrem, os remanescentes passam a “dar plantão” e “fazer hora extra” - uma alusão ao trabalho a mais que supre as funções dos néfrons perdidos.
Os néfrons sobreviventes passam a filtrar mais, pois se aumenta a pressão de filtração. Isso ocorre provavelmente porque ocorre uma vasodilatação da arteríola aferente decorrente da maior produção de prostaglandinas e vasoconstricção da arteríola eferente decorrente da ação da angiotensina II. Veja a figura:
FIGURA 01
O preço para se manter a homeostase é um demasiado trabalho extra aos néfrons remanescentes, e isso acaba sendo prejudicial. Para que esse néfron filtre mais ocorre aumento da pressão hidráulica intraglomerular. As delicadas paredes glomerulares não resistem a essas pressões de cisalhamento e vários fenômenos de natureza inflamatória passam a ocorrer. Outros mecanismos contribuem para maior estresse aos néfrons remanescentes: hipertrofia glomerular, formação de trombos intraglomerulares, proliferação exagerada de células glomerulares e matriz mesangial, deposição glomerular de lipídios, estiramento das células endoteliais e mesangiais, lesão dos podócitos, deposição de material protéico subendotelial, inflamação renal, dentre outros. Com isso, mais néfrons são destruídos e assim, ocorre maior sobrecarga hemodinâmica. Esse círculo vicioso agrava a perda do parênquima renal. Cada vez mais, sobra trabalho e falta néfron!
FIGURA 02
À medida que mais e mais néfrons são perdidos, pequenos sinais e sintomas podem sobrevir. Quando a função renal encontra-se em torno de 30% pode ocorrer edema de membros inferiores, hipertensão arterial, edema periorbitário, anemia, entre outros. Como a perda de função renal é irreversível e progressiva, inexoravelmente, mais néfrons serão perdidos e mesmo a “dupla jornada de trabalho” dos néfrons remanescentes não será suficiente para realizar uma adequada filtração. O paciente desenvolverá mais sinais que comporão a chamada síndrome urêmica. Os rins evoluirão para um estado de doença Renal em Fase Terminal (DRFT) com níveis de taxa de filtração glomerular (TFG) menores que 15% do normal. O estágio de DRFT é alcançado em um período variável de 3 a 20 anos em média, mas duas situações (a glomerulonefrite rapidamente progressiva e a necrose cortical aguda) podem levar a DRFT em curto período.
Tab. 01 - Estadiamento da DRC
Estágio | Filtração Glomerular (ml/min) | Grau de Insuficiência Renal |
0 | >90 | Grupos de risco para DRC* com
Ausência de Lesão Renal |
1 | >90 | Lesão Renal com Função Renal Normal |
2 | 60-89 | Insuficiência Renal Leve ou Funcional |
3 | 30-59 | Insuficiência Renal Laboratorial ou Moderada |
4 | 15-29 | Insuficiência Renal Severa ou Clínica |
5 | <15 | Insuficiência Renal Terminal ou Dialítica |
* Grupos de risco para DRC: HAS, DM, parentes de paciente com DM, HAS e DRC.
As mais importantes causas de IRC são hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e glomerulonefrites. Nos EUA, a causa mais importante é a DM (43,7%), seguida pela HAS (26,3%) e glomerulonefrites (9,4%) – dados de 2002. No Brasil, a HAS parece ser a principal causa. Acompanhe na tabela a evolução das principais causas de IRC no Brasil ao longo dos anos.
Tab. 02 – Evolução das principais causas de IRC no Brasil
Diagnóstico | 1987 | 1997 | 2005 |
Glomerulonefrite Crônica | 36,5% | 27,5% | 13,0% |
NIC/PNC | 16,5% | 11,0% | 9,0% |
Nefroesclerose | 10,8% | 16,8% | 27,1% |
Diabetes Mellitus | 8,1% | 13,0% | 22,3% |
D. Renal Policística | 6,7% | 3,0% | 5,4% |
Nefropatia lúpica | 4,7% | 1,3% | 2,1% |
Outros | 1,7% | 4,6% | 12,1% |
Indeterminado | 15,0% | 22,8% | 9,0% |
Fonte: Sabbaga E. 1987; Sec. Saúde SP, 1997; Romão Jr JE, 2004;
A síndrome urêmica é o conjunto de sinais e sintomas que começam a surgir quando a FG está < 30 ml/min. Ela decorre de dois eventos: a) acúmulo de várias toxinas que deixam de ser excretadas e b) perda da função endócrina renal (diminuição da síntese de eritropoietina e de calcitriol). Dos produtos do catabolismo protéico acumulados, surgem várias manifestações clínicas. Entre as escórias nitrogenadas destacam-se uréia, guanidinas, ácido guanidinosuccínico, sulfato de inoxidil, miosinositol, β-2-microglobulina, aminas alifáticas e poliaminas. Apesar de muitas vezes ser imputada como responsável pela maioria dos sintomas urêmicos, somente acima de 250mg/dL, a uréia isoladamente é capaz de gerar sintomas. Provavelmente nenhuma toxina isolada é capaz de gerar todos os sintomas da síndrome urêmica.
O rim normal consegue variar a excreção de água e eletrólitos de acordo com as necessidades corpóreas. Na DRC, como ocorre menor filtração, acumula-se sódio. Para tentar evitar esse processo, cada néfron remanescente adapta-se aumentando a sua fração excretória de sódio (FENa). Resumidamente, pode-se dizer que cada unidade filtradora excretará mais sódio que normalmente está habituado a excretar. De tal maneira é essa adaptação para livrar-se do excesso, que o rim perde sua capacidade de desadaptação. Os néfrons não conseguem mais voltar a excretar as antes habituais menores quantidades de sódio. Tampouco, com o progredir da perda de néfrons, a adaptação consegue ser suficiente para garantir uma adequada homeostase desse íon. Como resultado, nem os néfrons conseguem excretar o excesso de sódio, nem são capazes de retê-lo em situações em que seja necessário conservá-lo. Veja a figura:
FIGURA 03
Dessa maneira, se o paciente ingere uma quantidade maior de sal, ocorre retenção, levando à hipervolemia e suas conseqüências: edema em face, membros inferiores, ascite, derrame pleural e pericárdio, HAS, EAP e etc. Caso ele ingira pouco, a adaptação que proporcionou aumentar a FENa faz com que boa parte do sódio seja perdida na urina e o paciente apresente hipovolemia. Apesar de ocorrer uma tendência a retenção de sódio, na verdade ocorre hiponatremia e não hipernatremia na DRC. Por quê? Isso ocorre porque, com a baixa filtração, o sódio é retido; mas, com o sódio, a água também é absorvida. Ela acaba diluindo o sódio, assim, ocorre hipervolemia com hiponatremia dilucional, apesar de estar ocorrendo retenção de ambos.
Apesar de aumentar a fração de excreção dos outros eletrólitos que estejam sendo retidos, como já redundantemente explanado, com o progredir da DRC, a adaptação torna-se insuficiente e eles terminam por acumular-se. Sendo assim, ocorre hipercalemia, hipermagnesemia e hiperfosfatemia. Com o cálcio, entretanto, ocorre o oposto – hipocalcemia. Esse mecanismo será discutido adiante, na área destinada à Osteodistrofia Renal (OR). Adianta-se apenas o fato de o cálcio permanecer predominantemente ligado à albumina, que obviamente, não é filtrada. Apenas uma pequena quantidade de cálcio permanece na forma livre, podendo então sofrer influência direta do controle eletrolítico exercido pelos rins.
A maior parte dos íons hidrogênio (2/3) é excretada ligada à amônia produzida no túbulo renal. Para cada H+ excretado, um íon bicarbonato é absorvido. Na IRC, o rim produz menos amônia e o H+ deixa de ser excretado e conseqüentemente o bicarbonato deixa de ser absorvido. Na falta de bicarbonato, o rim passa a aumentar a absorção de cloretos para compensar a carência de cargas negativas. Nesse momento instala-se uma acidose hiperclorêmica. Com o progredir da perda de função renal (FG ~ 5-10 ml/min), vários ânions deixam de ser excretados, como o sulfato (proveniente do metabolismo das proteínas), urato, fosfato, lactato, acetato e etc. Assim a acidose passa a ser com anion gap elevado.
O ácido guanidinosuccínico inibe a atividade plaquetária induzida pelo ADP, predispondo a sangramentos em vários locais. A anemia contribuiu ainda mais para o distúrbio hemorrágico, uma vez que as hemácias favorecem a interação das plaquetas com o endotélio lesado. As toxinas ainda deprimem a função neutrofílica, favorecendo o surgimento de infecções bacterianas e fúngicas que potencialmente podem evoluir para sepse grave. Também ocorre discreta linfopenia e disfunção linfocitária. A imunidade humoral está deprimida, notadamente ao combate do HBV e ao vírus da influenza. A anemia, por ter mecanismo muito mais complexo será tratada em um tópico a parte.