O buraco de ozônio em Quixeramobim

A luz do Sol contém uma boa dose de radiação ultravioleta (UV). Quando essa radiação começa a penetrar em nossa atmosfera, sua energia é suficiente para quebrar uma molécula de oxigênio (O2) em dois átomos de oxigênio. Cada um desses átomos logo se associa a outro igual, reproduzindo uma molécula de O2, ou se liga a uma molécula de O2 já existente, formando uma molécula de O3, que é chamada de ozônio. Surge, assim, uma camada de ozônio nas partes altas da atmosfera (região chamada de estratosfera, de 20 a 40 km de altitude). O ozônio é instável e pode ser quebrado pela mesma radiação UV que o criou, produzindo uma molécula de O2 e um átomo de O. Portanto, nos dois processos, o ozônio absorve parte da energia da radiação UV do Sol, impedindo que ela atinja a superfície da Terra. Isso é bom, pois se toda a luz UV do Sol chegasse aqui em baixo a vida seria impossível já que esse tipo de radiação pode danificar seriamente as células de plantas e animais.

No início dos anos 1970, alguns cientistas estudaram os efeitos de vários compostos químicos, naturais ou artificiais, sobre o ozônio. Em 1978, os químicos Sherwood Rowland e Mario Molina, da Califórnia, apresentaram um modelo teórico segundo o qual o ozônio seria destruído pela presença do gás chamado CFC (Cloro-Fluor-Carbono), muito usado em geladeiras, aerosóis e extintores de incêndio. Consta que Molina se inspirou nas observações de James Lovelock, que fez medidas na Antártica e disse ter detectado CFC na atmosfera dessa região. Lovelock, mais tarde, ficou muito conhecido por sua Hipótese Gaia, segundo a qual a Terra toda seria algo como um grande organismo vivo.

Alguns pesquisadores resolveram investigar a validade das previsões de Sherwood e Molina. Um grupo americano iniciou um projeto envolvendo o lançamento de balões para recolher amostras na estratosfera e aferir a presença do CFC e suas reações com o ozônio. Foram escolhidos locais de lançamento em cinco latitudes: no Ártico, no meio do Hemisfério Norte, perto do Equador, no meio do Hemisfério Sul e na Antártica. O local escolhido nas proximidades do Equador foi o Ceará, onde as condições logísticas eram bastante adequadas. Foi feito um convênio com o Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) e os lançamentos de balões começaram em 1980 na Fazenda Normal do Governo do Estado, em Quixeramobim. Vários lançamentos aconteceram ao longo de dois anos. Os balões cheios de hélio subiam carregando esferas de aço completamente evacuadas com válvulas que abriam por breves momentos capturando amostras do ar. Quando o balão atingia uma altura de 30 km, o conjunto de esferas era solto e caía de paraquedas, recolhendo amostras em altitudes variadas até atingir o solo. As esferas eram recuperadas e enviadas de volta aos EUA, onde as amostras de ar eram analisadas.

Inicialmente, usou-se um avião da Funceme para informar o local em que a carga chegava ao solo. Mas logo ficou claro que era mais simples colocar um aviso junto do equipamento solicitando a quem o encontrasse que fizesse uma ligação para a rádio Voz de Cristal em Quixeramobim. O pessoal da rádio telefonava para a fazenda e a equipe de resgate se deslocava para o local na Kombi do Departamento de Física. Um paraquedas colorido caindo com reluzentes esferas não podia passar despercebido e sempre havia muita gente excitada em torno do equipamento que caía no solo do sertão. Todas as cargas foram recuperadas durante o tempo em que o projeto se estendeu.

Os resultados das medidas deram algum suporte às previsões do modelo teórico. Começou então um intenso movimento reunindo cientistas e ecologistas para proibir o uso do CFC. Na época, a indústria desse gás, que movimentava cerca de 8 bilhões de dólares por ano, esperneou bastante tentando desacreditar os resultados das pesquisas. Mas, em 1985, cientistas ingleses descobriram algo que ficou conhecido como o “buraco de ozônio”, uma região do tamanho do Brasil sobre a Antártica onde a camada de ozônio tinha concentrações menores que a metade da média usual. Com o anúncio dessa descoberta espalhou-se o pânico. A advertência dos meteorologistas, associada à gritaria dos ecologistas, exigiu o banimento do CFC e sua substituição por produtos que não fossem danosos ao ozônio.

Em 1987, foi celebrado o Protocolo de Montreal pelo qual todos os países das Nações Unidas se comprometeram a abolir o uso do CFC. Até hoje, essa foi a única decisão unânime das Nações Unidas. Rowland e Molina ganharam o Prêmio Nobel de Química em 1995 e todos comemoraram o salvamento da vida no planeta.

O ozônio absorve parte da energia da radiação UV do Sol, impedindo que ela atinja a superfície da Terra

Desafinando o coro dos contentes
Nem todo mundo concordou com o banimento do CFC. Um dos primeiros dissidentes foi o meteorologista alagoano Luiz Carlos Molion. Desde o início ele contestou as reações do modelo apresentado pelos cientistas da Califórnia, que não tinha sido testado em laboratório. Além disso, o ozônio se forma pela incidência da luz solar na estratosfera, principalmente nos trópicos, onde a incidência de UV é mais intensa, e é levado aos polos pelos ventos estratosféricos. Durante o longo inverno na Antártica, não há radiação UV para criar ozônio na região e ainda surge um grande anel de ventos, o Vórtice Circumpolar, impedindo a entrada de ozônio na região. É natural, portanto, que um “buraco” se forme nesse período, todos os anos.

Hoje, o buraco de ozônio continua surgindo todo ano com praticamente o mesmo tamanho de antes. E, em 2007, cientistas da Nasa mostraram que uma das reações do modelo de Molina e Sherwood é 1dez vezes menos eficiente do que o previsto teoricamente pelos nobelistas. O próprio Lovelock declarou-se desapontado com o desdobramento da questão, mas, a maioria dos apoiadores do banimento do CFC ainda considera que essa iniciativa foi uma grande vitória da ciência e dos ambientalistas.

Molion continua firme em suas críticas e agora é um descrente do chamado “aquecimento global”. Mas essa é outra história que poderá ser contada em alguma ocasião futura.

 

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/06/07/noticiaaquitemciencia,3262351/o-buraco-de-ozonio-em-quixeramobim.shtml)

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Medindo o peso da luz

Na semana passada, meu colega nesta página, professor Dermeval Carneiro, lembrou o famoso eclipse total do Sol que aconteceu em Sobral, em 1919, e serviu para comprovar as previsões da Relatividade Geral de Einstein. Como estamos hoje até mais perto da data (29 de maio), pegarei carona no assunto. A narrativa do evento em si já foi muito bem feita pelo próprio Dermeval e pela escritora cearense Ana Miranda, em seu excelente livro O Peso da Luz, cuja leitura eu recomendo.

Aqui, tratarei especificamente do fenômeno observado, o desvio de um feixe de luz ao passar perto de uma grande massa, como o Sol. Tentarei explicar porque esse desvio acontece usando apenas alguns argumentos e recursos gráficos bem simples.

Começo dizendo que o desvio da luz de uma estrela pelo Sol já fora previsto bem antes de Einstein, pelo alemão Johann Soldner, supondo que a luz fosse feita de partículas, como dizia Newton. Galileu mostrou que todo objeto material cai com a mesma aceleração, sob a influência da gravidade. Uma bola de boliche e outra de pingue-pongue, soltas ao mesmo tempo da mesma altura, chegam ao solo no mesmo instante. Pelo menos, chegariam se não fosse a resistência do ar. Ora, se a aceleração do corpo que cai não depende da massa do corpo, uma partícula de massa muito pequena, talvez nula, deve cair do mesmo jeito que qualquer outra.

Solner calculou o desvio da luz de uma estrela distante quando o feixe luminoso passa próximo do Sol, usando as equações de Newton, e chegou a um resultado numérico: o feixe seria desviado de um ângulo equivalente a 0,84 segundos de arco. Seu artigo com esse resultado foi publicado em 1803 e solenemente ignorado pela comunidade de astrônomos da época. E o pessoal até tinha razão para isso. No mesmo ano do artigo de Soldner, o inglês Thomas Young mostrou que a luz não é feita de partículas, mas é uma onda. E ondas de luz não deveriam ser desviadas pela ação da gravidade. Mesmo que fossem, esse desvio previsto por Soldner era pequeno demais para ser medido com os telescópios da época. E só poderia ser observado durante um eclipse total do Sol, evento raro e que, tirante Sobral, tem o mau costume de acontecer em locais ermos, longe dos centros civilizados.

O assunto foi esquecido e só voltou a ser discutido quando Albert Einstein declarou, no início do século 20, que a velocidade da luz no vácuo é uma constante inabalável, que não depende de nenhuma influência externa. Einstein logo concluiu que a luz deveria, realmente, se desviar sob a ação de uma grande massa. Na interpretação relativística, o desvio não seria causado por uma força, como dizia Newton, mas por uma deformação no espaço ao redor da massa. Podemos apelar para a conhecida analogia de uma cama elástica representando o espaço e uma esfera pesada arremedando o Sol. O feixe de luz é desviado ao passar pela deformação do espaço ao redor do Sol (ver imagem ao lado).

Aí então, surgiu outro problema para Einstein resolver. Imagine um feixe de ondas de luz propagando-se em linha reta. Todas a partes das cristas da onda devem se deslocar com a mesma velocidade, segundo a relatividade. Mas, se o feixe for desviado, parece claro que a parte da crista que está mais perto do Sol percorre uma distância menor (A-B) que a outra parte que está mais longe (C-D). E ambas levariam o mesmo tempo, pois quando a frente A chega em B, a frente C deve também chegar em D. Em outras palavras, a velocidade da luz percorrendo C-D seria maior que a velocidade da luz percorrendo A-B (ver imagem ao lado).

Isso é uma heresia, deve ter pensado Einstein. A velocidade é sempre a mesma para qualquer parte das cristas. Para manter a constância da velocidade da luz, só há um jeito: o tempo passa mais devagar perto do Sol que longe dele. Isto é, quanto mais próximo um relógio estiver de uma grande massa, mais lento será seu ritmo ao marcar a passagem do tempo.

O valor calculado por Einstein, levando em conta a deformação do espaço e a variação no ritmo do tempo, foi o dobro do valor previsto por Soldner, isto é, 1,7 segundos de arco. Esse foi o ângulo efetivamente observado e medido em Sobral, comprovando as audaciosas ideias de Einstein sobre a relatividade do espaço e do tempo, ideias que o levaram, com grande justiça, à condição de superstar da ciência.

Para manter a constância da velocidade da luz, só há um jeito: o tempo passa mais devagar perto do Sol que longe dele

Como envelhecer devagar

Imagine dois gêmeos que, no instante em que nasceram foram separados. Um deles fica sempre no térreo do prédio onde ambos moram e o outro passa toda sua vida no 20º andar. Quando o gêmeo de cima completar 40 anos, por exemplo, o de baixo será um pouquinho mais novo. A diferença será muito pequena, é verdade, pois a massa da Terra não é tão grande na escala cosmológica. Mas o efeito é real e tem de ser considerado.

Os satélites do sistema GPS estão a 20 mil quilômetros de altitude e carregam relógios de grande precisão. A posição de alguém, na superfície da Terra, é determinada pelo tempo que um sinal de rádio leva entre cada satélite e o aparelho na superfície, que também tem um relógio muito preciso. E, como já sabemos, os relógios em órbita e na superfície batem em ritmo diferente. Se a correção, pela Relatividade Geral, não fosse levada em conta, as coordenadas informadas pelo aparelho logo estariam completamente erradas.

Mais detalhes em:
www.seara.ufc.br/especiais/fisica/sobral1919/sobral.htm

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/05/24/noticiaaquitemciencia,3255261/medindo-o-peso-da-luz.shtml)

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Intimando com um parasita

Segundo os professores Anastácio Queiroz Sousa, da Faculdade de Medicina da UFC, e Richard Pearson, da Universidade de Virginia, o parasita causador da leishmaniose cutânea foi trazido para o Ceará, no início do século XX, por cearenses que retornavam da Amazônia depois de se desiludirem com a extração da borracha. Esse parasita já existia na América desde os tempos dos incas, mas só apareceu por aqui bem mais tarde. No Ceará, o primeiro caso comprovado data de 1909. O sanitarista paraense Gaspar Vianna tratou pacientes dessa doença em nosso estado. Vianna foi quem mais estudou a enfermidade no início do século passado. O nome dado por ele ao parasita, em 1911, é hoje conhecido como Leishmania (Viannia) braziliensis. Em 1912, Vianna introduziu um tratamento para a doença usando o antimônio trivalente.

No Brasil, de 1980 a 2005, foram reportados mais de 600.000 casos dessa enfermidade deformante. Provavelmente, o número real de casos é bem maior, pois muitos que surgem nas zonas rurais não entram nas estatísticas. O Ceará é um dos estados mais afetados. Nesse relato, falarei sobre alguns dos trabalhos do dr. Anastácio e seus colaboradores destacando dois resultados expressivos alcançados pela equipe no diagnóstico e no tratamento da doença.

O método usual de detecção da L. (Viannia) braziliensis é o exame de histopatologia. É feito ao microscópio, por um patologista, usando o material obtido em uma biópsia. O resultado costuma demorar vários dias. Um novo método foi testado pelo dr. Anastácio e sua equipe do Hospital São José e da Universidade Federal do Ceará, de 2011 a 2013. Nesse processo, são usadas amostras retiradas das bordas das úlceras e prensadas entre duas lâminas de vidro. Em inglês, o método chama-se “press-imprint-smear”, ou em cearencês, “imprensar-marcar-espalhar”. O conjunto é fixado com metanol, corado com Giemsa e examinado em microscópio com aumento de 100 vezes.

O diagnóstico da L. (Viannia) braziliensis por esse processo simples atingiu acerto em mais de 92% dos casos. Esse número de acerto é quase o dobro do alcançado pelo método histopatológico. E mais: todo o exame pode ser feito e relatado em cerca de 1 hora por um técnico treinado. Tudo isso torna o método ideal para uso em áreas rurais, onde a incidência da doença é maior e os recursos mais escassos. Atualmente, a equipe estuda o uso dessa técnica na detecção de outras doenças parasitárias.

Um segundo caso de sucesso do grupo do Dr. Anástacio surgiu do uso do fluconazol no tratamento da L. (Viannia) braziliensis. O fluconazol é conhecido como eficiente no tratamento da Cândida, aquela coceirinha chata e persistente causada por fungos.

Desde a década de 1940, o tratamento mais comum para a leishmaniose cutânea usa o antimônio penta-valente, com eficiência limitada e vários efeitos colaterais indesejáveis. Além disso, essa droga é administrada com injeções, o que exige pessoal qualificado. A anfotericina também é usada, mas causa efeitos desagradáveis e é cara.

O grupo do dr. Anastácio testou o uso do fluconazol por via oral em pacientes com contraindicações ao processo usual, como pessoas com diabetes ou problemas cardíacos. Incluiu, também, pessoas que não mostraram melhoras com o tratamento ortodoxo. Todos os pacientes testados tinham apresentado diagnóstico comprovado de L. braziliensis.

Das 28 pessoas que participaram do teste, 25 foram curadas, o que significa um sucesso em 89% dos casos. Todos que tomaram as doses máximas de 8 mg/kg estavam curadas em 4 semanas. Não apareceram efeitos indesejáveis em nenhum dos pacientes. Dos 25 curados, 23 não tinham feito nenhum tratamento prévio da leishmaniose cutânea. Os outros 2 tinham tentado o antimônio penta-valente sem sucesso.

O pulo do gato da equipe, nessa pesquisa, foi testar doses mais altas de fluconazol que aquelas usadas em outros estudos e levar em conta o peso do paciente. O uso desse medicamento tem várias vantagens evidentes. O tratamento com o fluconazol é 12 vezes mais barato que o tradicional, com antimônio penta-valente. Além disso, como é aplicado por via oral, o paciente pode tomar a droga em casa, sem precisar se deslocar para um hospital para aplicação de injeções. O passo seguinte da pesquisa será testar o fluconazol em outros tipos da leishmania.

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/05/10/noticiaaquitemciencia,3248229/intimando-com-um-parasita.shtml)

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As curvas da democracia

Os físicos mostraram que as propriedades dos gases (como pressão, temperatura etc) resultam de interações entre moléculas que se movem de forma aparentemente desordenada. Embora não seja prático descrever o comportamento de uma molécula individual separadamente, o conjunto delas faz surgir uma propriedade que pode ser descrita matematicamente e medida em laboratório com grande precisão.

Recentemente, surgiu a pergunta: Será que o comportamento de grandes agrupamentos humanos também segue um padrão passível de descrição matemática? Indivíduos têm liberdade de escolha – o famoso “livre arbítrio”- mas, pode ser que a interação entre um número muito grande de pessoas leve a um comportamento coletivo emergente.

Eleições são adequadas a esse tipo de análise, pois agregam a participação de muita gente em um só evento. Além disso, os dados são facilmente acessados pela internet em países democráticos. Em uma eleição proporcional, por exemplo, o número de candidatos e de eleitores é suficiente para uma boa análise estatística.

No final da década de 90, o professor Raimundo Costa Filho, do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), juntamente com um grupo de colegas do qual fiz parte, analisou estatisticamente os resultados da eleição de 1998. Decidiu-se colocar em gráficos as votações para deputado em todo o Brasil. Nosso sistema eleitoral oferece muitas vantagens para esse tipo de estudo, pois o voto é compulsório, o número de eleitores é enorme e os resultados estão disponíveis na rede com grande rapidez.

A curva obtida, vista na Figura 1, mostrou que há um padrão inequívoco. Nesse gráfico, N é o número de candidatos que obtiveram v votos. Deixando de lado as pontas da curva que mostram os números para candidatos com poucos votos (lado esquerdo) ou muitos votos (lado direito), a parte central exibe um padrão que os físicos conhecem bem. A inclinação da reta vista na parte central do gráfico é típica de uma coisa que eles chamam de “invariância de escala”. Esse mesmo padrão surge em um grande número de fenômenos aparentemente desconexos, como a distribuição temporal de terremotos, as flutuações na bolsa de valores e os sinais de um eletro-encefalograma. No caso de eleições, a invariância de escala pode decorrer de interações entre os eleitores que se estendem desde troca de informações entre vizinhos até a influência dos noticiários de rádio e TV e das pesquisas de intenção de voto.

O trabalho dos físicos cearenses deu início a uma linha de pesquisa que movimentou grupos de vários países, a maioria da Europa. Procurava-se saber se os resultados das estatísticas brasileiras também surgiam em outras democracias com sistema eleitoral similar ao nosso. Pesquisadores europeus argumentaram que os cearenses deveriam ter levado em conta a separação dos candidatos por partido, pois essa escolha pode ter muito impacto nos resultados da estatística. A Figura 2 mostra as curvas que eles obtiveram para vários países europeus. Note que, nessas curvas, o número de votos v está dividido pelo número médio v0 de votos dos candidatos de cada partido. O leitor não precisa entender os detalhes desse gráfico, basta constatar que os valores para diferentes países e datas seguem o mesmo padrão, atestando um comportamento coletivo que se estende por contextos culturais e econômicos bastante diversos. Note também que esse padrão difere do padrão inicial observado pelo grupo cearense que, contrariamente ao resultado europeu, não apresenta um máximo.

Tentando explicar essa diferença, em 2009, Costa Filho e Luiz Araripe repetiram a análise das eleições brasileiras em três ocasiões, desta vez levando em conta a distribuição dos votos por partidos. Para visualizar a comparação, esses dados foram colocados junto aos obtidos em um país europeu, no caso, a Finlândia. As curvas das eleições brasileiras mantiveram, com grande consistência, o mesmo padrão visto anteriormente, enquanto o resultado da Finlândia segue uma curva bem diferente. As razões para essa diferença tão acentuada entre as curvas brasileiras e europeias ainda são objeto de pesquisa e sua compreensão poderá trazer informações valiosas em estudos futuros.

NOTA TÉCNICA: Todos os gráficos estão em escala logarítmica.

O link
E nós com isso?
Os e(leitores) certamente perguntarão como essas curvas tão persistentes podem orientá-los nas suas escolhas de voto. E os candidatos adorariam saber se elas indicam alguma estratégia para ganhar mais votos. Infelizmente (ou, talvez, felizmente) a resposta é negativa. Seu voto individual é importante, é claro, mas não determina o resultado final de uma eleição. Trocar de candidato não vai mudar o formato geral das curvas. Do mesmo modo, uma molécula pode inverter sua trajetória e também não mudará em nada a pressão ou a temperatura do gás.

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/04/26/noticiaaquitemciencia,3241119/as-curvas-da-democracia.shtml)

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A vacina da dengue está chegando

Os cientistas vêm tentando fazer uma vacina contra a dengue há décadas. Não tem sido fácil porque a dengue é uma doença que só ataca os humanos, logo, não dá para testar a vacina em animais. Além disso, o vírus da dengue não é um, são quatro (tipos 1, 2, 3 e 4). Se você pegar um desses tipos, seu sistema imunológico vai desenvolver uma proteção específica para esse tipo, mas não vai lhe proteger dos demais. E quem é infectado por um dos tipos do vírus tem mais chance de enfrentar complicações perigosas se depois pegar outro tipo. Portanto, qualquer vacina, para ser segura e eficaz, tem de proteger contra os quatro tipos, simultaneamente. Isto é, a vacina deve ser tetravalente.

O vírus da dengue e o vírus da febre amarela têm vários pontos em comum. Ambos são “flavivirus”, nome que vem do latim “flavus”, que significa amarelo. Ambos são transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti, que hoje infesta todas as grandes cidades brasileiras. Esses vírus se constituem de um corpo contendo uma cadeia de RNA recoberto por uma membrana e um envelope de proteínas. As proteínas do vírus da dengue, porém, são diferentes das proteínas do vírus da febre amarela.

No momento, algumas vacinas tetravalentes estão sendo testadas em vários países do mundo, três delas no Brasil. Vou tratar apenas de uma, que é de interesse para nós, pois está sendo testada aqui em Fortaleza. Essa vacina foi desenvolvida pela empresa francesa Sanofi Pasteur e já passou por duas fases de testes em dez países do mundo até 2012 para verificar se tinha efeitos indesejáveis. Os voluntários receberam três doses em um ano. Após esse tempo, apresentaram um aumento significativo nos anticorpos neutralizantes produzidos pelo sistema imunológico e praticamente nenhuma reação desagradável.

A vacina tetravalente testada no Ceará utiliza o vírus da vacina contra a febre amarela, chamado de VFA 17D. Ela é usada há mais de 40 anos no Brasil e é comprovadamente segura. Para ser usada contra a dengue essa vacina tem de ser modificada. Os cientistas conseguiram trocar as proteínas que formam a pré-membrana e o envelope do vírus VFA por outras que são parte dos quatro tipos de vírus da dengue. O novo vírus obtido pode imunizar contra a dengue, mas deixa de funcionar contra a febre amarela. Essa forma de vacina é chamada de “quimérica”, em alusão aos seres mitológicos feitos com partes de dois animais diferentes. Se funcionar como esperado, esse vírus quimérico, com corpo de vírus da febre amarela e pele de vírus da dengue (dos 4 tipos), induzirá a produção de anticorpos que poderão proteger o vacinado contra todos os tipos de dengue, pelo resto da vida. Testes já feitos na Tailândia indicaram boa proteção contra os vírus dos tipos 1, 3 e 4, mas, efeito limitado contra o vírus tipo 2.

Em Fortaleza, os testes vêm sendo coordenados pelo professor Luis Carlos Rey, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Foram vacinadas 600 crianças de 9 a 16 anos, a partir de 2011. De lá para cá, elas estão sendo acompanhadas para observar qualquer caso de febre. O acompanhamento envolve contatos telefônicos semanais e, se necessário, visitas domiciliares. Como contou o professor Luis Carlos, foi montado um serviço pesado de “telemarketing” para não perder de vista os recipientes dos testes. Sempre que surge um caso de febre em algum deles, são colhidas amostras de sangue para teste de dengue e para verificar a presença de anticorpos. Se os resultados desses testes forem bons, a empresa pedirá o registro e, se aprovada, a vacina poderá ser aplicada daqui a uns dois anos. Por enquanto, o jeito é tentar driblar o mosquito.

O Ceará e as vacinas
Rodolfo Teófilo produziu e utilizou suas vacinas contra a varíola no Ceará no início do século 20, dando partida ao processo que erradicou essa doença terrível em nosso Estado. Essa história é contada no excelente livro “O Poder e a Peste”, do jornalista Lira Neto, e foi tema da peça “Cearense por Opção”, apresentada pela equipe de Teatro Científico da Seara da Ciência da UFC, em 2010, no Teatro do Centro Dragão do Mar.

Se a vacinar funcionar como o esperado, induzirá a produção de anticorpos que poderão proteger contra todos os tipos de dengue, pelo resto da vida

Receita

Vacina da dengue
1. Pegue 4 vírus usados na vacina da febre amarela e retire as cadeias de RNA. Transforme-as em cadeias de DNA por uma reação reversa. Em cada uma dessas cadeias, recorte cuidadosamente as seções que orientam a produção das proteínas da pré-membrana (M) e do envelope (E).

2. Substitua essas seções por suas equivalentes encontradas em cada um dos quatro tipos do vírus da dengue. Volte à forma de RNA por outra reação e coloque novamente nos vírus. Dessa forma, em cada um desses novos vírus as camadas externas passarão a ser feitas de proteínas de um dos quatro tipos de vírus da dengue.

3. Faça culturas para cada um desses novos vírus. Torça para que essas culturas proliferem rapidamente.

4. Misture bem e aplique.

 

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/04/12/noticiaaquitemciencia,3234479/a-vacina-da-dengue-esta-chegando.shtml)

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Salve o peixe-boi

Muita gente se preocupa, com razão, e trabalha para a preservação dos golfinhos e baleias. Mas outro mamífero marinho corre risco ainda maior de extinção: o peixe-boi da espécie Tricherus manatus, habitante das costas brasileiras, conhecido como manatí. Trata-se de um mamífero que chega a medir três metros e pesar mais de 500 quilos, presente desde a Flórida até o sudeste do Brasil. Esse simpático animal tem várias características que o tornam vulnerável aos perigos externos. É manso, portanto fácil de caçar.

O governo brasileiro proíbe por completo a pesca desses peixes, mas outras ameaças decorrem das contingências biológicas e dos hábitos da própria espécie. A taxa de fecundidade das fêmeas é muito baixa, sendo comuns os casos de apenas uma reprodução durante toda a vida. A gravidez dura 13 meses e a mãe costuma amamentar o filhote por cerca de dois anos ou até mais.

A fêmea do peixe-boi é uma mãe cuidadosa que ensina o filhote a nadar e a buscar alimentos, geralmente algas e capins aquáticos. Antes do parto, ela procura locais propícios para o período em que a cria ainda é muito vulnerável. Os locais preferidos são os mangues e estuários de rios, onde é bem mais fácil manter o filhote sob vigilância enquanto ele aprende os truques essenciais de sobrevivência.

É aí que a ação do homem traz as maiores ameaças. O assoreamento da foz dos rios e a proliferação de atividades turísticas (motos aquáticas, kitesurfe, pedalinhos e outros esportes de águas mansas perto das praias) dificultam a passagem e permanência da fêmea do peixe-boi , que é obrigada a dar à luz a seus filhotes em mar aberto. Nessas circunstâncias, torna-se comum o afastamento do filhote da proteção da mãe e ele acaba encalhando ou ficando preso em redes de arrasto dos pescadores.

Com o aumento dos riscos citados acima, o número de espécimes está caindo rapidamente. É provável que já não haja peixes-boi na costa do Espírito Santo, onde eram encontrados antigamente. No Ceará, eles ainda são vistos nas divisas com o Piauí e com o Rio Grande do Norte, mas a incidência de encalhes vem aumentando.

Outra espécie de mamífero marinho que ocupa os mesmos locais que o peixe-boi e também pode estar correndo risco de extinção é o boto-cinza (Sotalia guianensis), um golfinho de cerca de dois metros que costuma ser visto perto do Mucuripe.

A ONG Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), sediada em Caucaia, trabalha há vários anos na proteção desses e de outros mamíferos marinhos. É uma tarefa difícil e constante que envolve ações diversas, inclusive de educação ambiental. Em média, são resgatados com vida três filhotes de peixe-boi por ano que encalham em praias nordestinas. A Aquasis tem também vários projetos de monitoramento do boto-cinza, pois sua vulnerabilidade às ameaças causadas pela ação humana ainda é pouco documentada.

Recentemente, com patrocínio da Petrobras, foi construído um Centro de Reabilitação de Mamíferos Marinhos no SESC Iparana. O local conta com estrutura e equipamento para a recuperação dos espécimes encalhados. No momento, dois hóspedes estão em tratamento nesse local, os peixes-boi Alva e Maceió, ambos resgatados na costa nordestina no ano passado.

As atividades da Aquasis estão descritas em sua página na Internet (www.aquasis.org) ou em (projetomanati.blogspot.com.br). Visitas de escolas podem ser programadas pelo telefone (85) 3318 4911. Mais detalhes sobre o trabalho de proteção do peixe-boi nordestino podem ser lidos no artigo da bióloga Ana Carolina Meirelles, disponível em www.seara.ufc.br/aquasis.doc.

Esse simpático animal tem várias características que o tornam vulnerável aos perigos externos.

É manso, portanto fácil de caçar

Baleia – CETÁCEOS
Exposição
Essa ossada de uma baleia cachalote de 10 metros, que encalhou em uma praia do Trairi, está exposta na Seara da Ciência com a missão de transmitir aos jovens visitantes uma noção do porte impressionante desses grandes cetáceos. Foi preparada e montada no Salão da Seara com o apoio da Aquasis e financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Trechos do processo de desenterro, limpeza dos ossos e montagem final podem ser vistos em um vídeo exibido ao lado da baleia, também disponível em (www.seara.ufc.br/baleia.wmv). A Seara da Ciência está localizada na rua Abdênago Rocha Lima, s/n, Campus do Pici. Mais informações pelo telefone (85) 3366 9245.

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/02/02/noticiaaquitemciencia,3202632/salve-o-peixe-boi.shtml)

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