Papai Noel pode existir

É fácil achar na internet argumentações que usam a Física para contestar a existência de Papai Noel. Começam fazendo estimativas do número de crianças que seriam agraciadas com presentes na noite de Natal. Descontando as crianças muçulmanas, judias, budistas e outras que não acreditam no bom velhinho, e estimando que, de cada três crianças habilitadas só uma comportou-se bem durante o ano, chega-se a uma cifra em torno de 90 milhões de casas a serem visitadas. Papai Noel dispõe de 30 horas para visitá-las, levando em conta os fusos horários. Isso quer dizer que ele tem que fazer quase 1000 paradas por segundo e dispõe apenas de 1 milésimo de segundo para entrar pela chaminé e depositar o presente em baixo da cama ou da rede da criança. No processo todo, ele precisar se deslocar com uma velocidade de uns 1000 quilômetros por segundo. Supondo que cada criança ganhe um presente pesando apenas 200 gramas em média (um iPhone ou uma Barbie, por exemplo), o peso a ser deslocado pelo trenó seria da ordem de 100.000 toneladas. Movendo-se com tanta velocidade, o trenó iria produzir enorme quantidade de calor devido ao atrito com a atmosfera. Papai Noel, trenó, renas e presentes seriam incinerados em frações de segundo.

 

Esses cálculos são limitados, pois se baseiam exclusivamente na Mecânica Newtoniana e na Termodinâmica Clássica e não levam em conta possibilidades oferecidas pela Relatividade Geral de Albert Einstein. Provavelmente são feitos por estudantes de Física ainda sem total formação em sua disciplina de trabalho. Vejamos as consequências de utilizar tais possibilidades.

 

O conhecido astrofísico Carl Sagan, em 1985, estava escrevendo um livro de ficção científica, intitulado Contacto. Nessa história, a heroína, uma astrônoma chamada Ellie Arroway, usa uma máquina projetada por uma civilização alienígena para se transportar até a estrela Vega, que fica a 26 anos-luz da Terra. A moça, que no filme de mesmo nome é vivida por Jodie Foster, consegue fazer a viagem de ida e volta em poucas horas. É claro que alguma tecnologia muito avançada deveria estar sendo usada na tal máquina. Sagan achava que um buraco negro poderia criar esse tipo de possibilidade, mas não tinha certeza e achou melhor pedir ajuda ao cosmologista Kip Thorne, uma das maiores autoridades do mundo em Relatividade Geral. Thorne entusiasmou-se com o desafio e passou a analisar o problema. Logo constatou que um buraco negro não servia para esse propósito, mas, outra estrutura permitida pelas equações de Einstein poderia ser a solução para o problema de Sagan. Essa entidade é chamada de “buraco de minhoca” (wormhole, em inglês) e pode, hipoteticamente, conectar dois pontos distantes do Universo através de uma espécie de túnel pelo hiper-espaço. Usando esse esquema, Ellie Arroway poderia fazer sua viagem em pouco tempo sem violar nenhuma lei física. Sagan incorporou a ideia de Thorne em seu livro e a máquina apareceu no filme de 1997, quando o astrofísico americano já tinha falecido. A figura ao lado, que ilustra o atalho por um buraco de minhoca, foi adaptada do artigo de Thorne e seu estudante Mike Morris.

 

Recentemente, Thorne foi de novo convocado por Hollywood e deu suporte científico ao diretor Christopher Nolan, no filme Interestelar que está em cartaz nos cinemas de Fortaleza. Um buraco de minhoca volta a ser construído nesse filme, dessa vez para transportar o herói, interpretado por Matthew McConaughey, para algum local muito distante do planeta Terra que está vivendo terríveis dificuldades ambientais. Esse ator, por sinal, também atuou no filme Contacto, como um religioso que passa o tempo todo questionando o ateísmo da mocinha cientista.

 

Pois bem, essa saída achada por Thorne também pode ser a solução para o problema de Papai Noel. Usando uma avançada tecnologia lapônica, o velhinho fica entrando e saindo de buracos de minhoca relativísticos que desembocam ao lado das camas das crianças boazinhas. Melhor até: segundo os cálculos de Thorne, um buraco de minhoca pode não apenas conectar locais muito distantes por trajetórias curtas, como também permite voltar ao passado. Desse modo, Papai Noel poderia entrar em um deles e sair na outra ponta em um instante anterior ao momento da entrada. Com esse truque, poderia haver um número arbitrário de Papais Noéis simultâneos, entrando e saindo nas pontas dos buracos de minhoca e distribuindo todos os presentes merecidos sem nenhuma das dificuldades inerentes da Física Clássica.

 

Com essa reconfortante constatação, resta desejar a todos um Feliz Natal e um Alegre Ano Novo.

 

Buracos de minhoca em Hollywood

Depois de assessorar Sagan em seu livro, Kip Thorne, juntamente com seu estudante Mike Morris, escreveu um artigo científico sobre uma possível produção de buracos de minhoca por civilizações avançadas. Nesse trabalho, eles mostram que as equações de Einstein podem ter soluções que permitem a formação desse tipo de estrutura no espaço de nosso Universo. Além disso, como a Relatividade tem a mania de misturar tempo com espaço, o artigo também mostra que atravessar um buraco de minhoca pode resultar em uma viagem no tempo, inclusive voltando ao passado. Os leitores versados em Relatividade Geral (ou seja, quase todos) certamente gostarão de ver, na figura, as equações da métrica de um buraco de minhoca tiradas do artigo de Thorne e Morris.

 

Em sua segunda assessoria cinematográfica, no filme Interestelar, Kip Thorne adorou a chance de ter acesso aos recursos de Hollywood e aproveitou o poderio computacional dos estúdios para fazer simulações praticamente impossíveis de serem feitas com os recursos disponíveis a um professor universitário aposentado como ele. Os resultados que obteve foram tão bons e inesperados que declarou a intenção de aproveitá-los para escrever mais alguns artigos sobre o tema.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/12/20/noticiaaquitemciencia,3365304/papai-noel-pode-existir.shtml

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São Tomé, o padroeiro dos cientistas

“Depois disse a Tomé: põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente”. A passagem bíblica (João 20:27) está retratada na pintura de Caravaggio, pintor italiano do fim do século XVI. Nela, o apóstolo incrédulo Tomé é instigado por Jesus ressuscitado a ver e até tocar nas chagas abertas a ferro romano.

 

O ato rendeu a Tomé um puxão de orelha e a criação de um dito – “porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram”. Entretanto, revela a postura típica do cientista ao questionar a veracidade da informação de terceiros, o ceticismo. Além daí, chega-se a Descartes e, num pulo, temos o método científico. Assim o homem tem construído suas convicções na dicotomia ciência-religião, algumas vezes antagônicas, noutras inseparáveis.

 

Tomé desejava pelo menos ver, e viu a olho nu. Não sabemos se enxergava bem, mas quem sabe tivesse presbiopia, a vista cansada legítima dos mais vividos. Naquele tempo não existiam óculos, pois os primeiros registros do uso de lentes corretivas datam do século I d.C. Para amplificar sua visão, o homem criou instrumentos ópticos.

 

Sendo Tomé protótipo do curioso, ficaria boquiaberto se fosse teletransportado ao século XVII, tempo de Galileu Galilei, o primeiro a usar um telescópio astronômico. Visse Tomé o que viu Galileu, sua incredulidade estaria novamente em xeque! Estivesse ele no início do século XX, conheceria Georges Lamaître e a teoria do “ovo cósmico” – o universo surge do “átomo primordial”, não no Jardim do Éden. Segundo Lamaître, o universo está em expansão, hipótese comprovada pelas observações do astrônomo Edwin Hubble. Imagine só o farnesim de Tomé ao espiar pelo telescópio de Hubble.

 

A figura da religião sempre rondou esses momentos. Pela heresia, o cristão Galileu foi condenado pela Inquisição em 1633 e, para escapar da fogueira, desmentiu tudo. Lamaître era padre e presidiu a Pontifícia Academia de Ciências, a mais antiga do mundo em atividade. Criada em Roma em 1603 por Federico Cesi, era chamada de Academia dos Linces e Galileu foi um dos primeiros membros.

 

Observando-se novamente a pintura de Caravaggio, talvez Tomé não quisesse olhar as estrelas, mas as minúcias. Quiçá um microscópio fosse mais apropriado a sua curiosidade. Na época de Galileu, o microscópio existia. Assim como o telescópio, a origem do microscópio parece ser holandesa e, a pedido do papa Urbano VII, coube ao membro da Academia dos Linces Johann Giovanni Faber dar um nome à invenção a partir da junção das palavras gregas mikrós (pequeno) e skopeîn (olhar).

 

Segundo a doutora Rosemayre Freire, técnica em microscopia da Central Analítica da Universidade Federal do Ceará (UFC), o microscópio evoluiu bastante desde então. Criou-se uma base fixa para maior estabilidade, lentes mais nítidas e foco mais preciso. Incorporou-se a fluorescência, isso é, a amostra observada emite luz ao invés de somente refleti-la ao observador. Esse avanço foi tão significativo que deu a Osamu Shimomura e colegas o Nobel de Química de 2008. Eles descreveram a proteína GFP, de fluorescência verde. O uso de fluorescência em microscopia evoluiu tanto que o Nobel de Química de 2014 acaba de ser dado a Eric Betzig, Stefan Hell e William Moerner, cujos trabalhos permitiram o que se chama de nanoscopia, isso é, aparelhos que permitem visualizar estruturas do tamanho de moléculas.

 

Com essa técnica, Tomé conseguiria ver fenômenos biológicos acontecendo ao vivo numa célula disposta em um microscópio confocal. Ao mesmo tempo em que emite um feixe de laser na amostra, esse aparelho capta seletivamente a fluorescência irradiada pela amostra com comprimentos de onda específicos para formar imagens incríveis, inclusive aos olhos de nosso viajante.

 

Com os microscópios ópticos modernos, Tomé conseguiria ver objetos com até 0,2 micrômetros, o tamanho de alguns vírus, limite imposto pelo menor comprimento de onda do espectro visível. É isso mesmo, só enxergamos até o violeta, cujo comprimento é aproximadamente 0,4 micrômetros. Coisas menores só mesmo com o microscópio eletrônico. Mas aí, calma gente… coitado do Tomé, é muita informação em tão pouco tempo!

 

Agora, se nossos personagens viessem parar no Ceará, Tomé certamente visitaria a doutora Rosemayre e, imaginando todos diante de um microscópio confocal, ousaria ouvir Tomé pronunciar num arrastado sotaque aramaico: “diabeisso, máh! Que leruáite miúdo, menor que um mucuim. Aprender, isso sim é uma boa aventura!”.

 

“Sendo Tomé protótipo do curioso, ficaria boquiaberto se fosse teletransportado ao século XVII, tempo de Galileu Galilei”

 

Microscopia na UFC

A Universidade Federal do Ceará (UFC) dispõe de dois núcleos avançados em microscopia, a Central Analítica, recém-inaugurada no campus do Pici, e o Núcleo de Estudos de Microscopia e Estudos de Imagem (Nempi), em funcionamento no campus do Porangabuçu. São equipados com microscópios confocais e eletrônicos e estão disponíveis a usuários de diversas áreas do conhecimento, garantindo tecnologia de ponta às pesquisas científicas feitas no Ceará.

 

Acesse: www.centralanalitica.ufc.br

www.nempi.ufc.br

 

O professor Pedro Magalhães, da Faculdade de Medicina da UFC e da Seara da Ciência, escreve a coluna de hoje a convite do colunista José Evangelista..

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/12/06/noticiaaquitemciencia,3358084/sao-tome-o-padroeiro-dos-cientistas.shtml

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Jovens cientistas de escolas públicas

OS COLÉGIOS PARTICULARES costumam publicar, nos maiores jornais, fotos de seus alunos que brilharam nos vestibulares ou olimpíadas de ciências. Fazem bem, pois é sempre louvável reconhecer e estimular o mérito do esforço pelo conhecimento.

 

JÁ OS MENINOS e meninas das escolas públicas quase nunca são celebrados, infelizmente. E não é por falta de talento, como mostrou O POVO nessa semana, relatando a façanha do aluno João Vitor, do segundo ano médio de escola pública de Fortaleza, que quase fechou a prova do Enem.

 

CONTRIBUINDO PARA corrigir um pouquinho essa injustiça, aproveito esse espaço que me foi cedido pelo jornal e mostro fotos dos vencedores da recente Feira Municipal de Ciência e Cultura, iniciativa da Secretaria Municipal da Educação (SME), com colaboração da Seara da Ciência da Universidade Federal do Ceará. A participação da Seara foi possibilitada por recursos advindos do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq).

 

A TÉCNICA DA HIDROPONONIA

 

Ouro – Ciências ambientais

 

Equipe: Francisco Bruno e Leonardo de Oliveira

 

Orientador: Paulo Roberto de Sousa

 

Escola Municipal Presidente Kennedy

 

MICROSCÓPIO DOMÉSTICO

 

Ouro – Ciências da natureza

 

Equipe: Eduarda Belcante e Rute Nogueira

 

Orientadora: Francisca Idalina Magalhães

 

Escola Municipal Manoel Cordeiro Neto

 

CRUZES NA ESTRADA

 

Ouro – Ciências humanas

 

Equipe: Ivina Dalciane e Cleverton Cesar

 

Orientador: Breno Stetany Melo

 

Escola Municipal Maria Viviane Gouveia

 

TELEJORNAL IP

 

Ouro – Linguagens e códigos

 

Equipe: Débora de Moura e Luana Rutielle

 

Orientadora: Raquel de Souza – representada por Wesley Amorim

 

Escola Municipal Ismael Pordeus

 

RETROPROJETOR COM USO DE CELULAR

 

Prata – Ciências ambientais

 

Equipe: Marfia Eduarda e Leilane Rodrigues

 

Orientador: Eudismar Xavier

 

Escola Municipal Claudio Martins

 

AUTOMAÇÃO RESIDENCIAL COM ARDUINO E COMANDO DE VOZ

 

Prata – Ciências da natureza

 

Equipe: Antônio Marcos e Elias Machado

 

Orientador: Artur Fernando Giovanella

 

Escola de Tempo Integral José Carvalho

 

MEMORIAL ANTÔNIO FILGUEIRAS LIMA

 

Prata – Ciências humanas

 

Equipe: Roberto Cláudio Calvelo e Alan Alves Pereira

 

Orientador: Leandro de Sousa Filho

 

Escola de Tempo Integral Filgueiras Lima

 

DE HISTÓRIA EM HISTÓRIA SE CHEGA À ÁFRICA

 

Prata – Linguagens e códigos

 

Equipe: Davi Rodrigues da Cruz e Jayson Martins Nascimento

 

Orientadora: Evanilce Chagas Samico

 

Escola Municipal Santa Tereza

 

O CONSUMISMO INFANTIL

 

BRONZE – CIÊNCIAS AMBIENTAIS

 

Equipe: Eliana Caetana Carvalho e Ana Vitória Pereira Chagas

 

Orientadora: Michele Aparecida Freitas de Andrade

 

Escola Professora Maria José Macário Coelho

 

ROTAÇÃO E TRANSLAÇÃO DA TERRA

 

BRONZE – CIÊNCIAS DA NATUREZA

 

Equipe: Artur Almeida da Silva e José Elano da Silva

 

Orientadora: Andréia Viana Ribeiro

 

Escola Municipal Paulo Petrola

 

FILME CARTA

 

BRONZE – CIÊNCIAS HUMANAS

 

Equipe: Gabriel Rodrigues e Antônio Anderson

 

Orientadora: Maria Leonila Euclides Jorge

 

Escola Municipal Jonathan da Rocha Alcoforado

 

VIDAS SECAS SOB A PERSPECTIVA DE JOVENS OLHARES

 

Bronze – Linguagens e códigos

 

Equipe: Brendon Carlos Rodrigues e Karoline de Oliveira

 

Orientadora: Evanilce Chagas Samico

 

Escola Municipal N. S. do Perpétuo Socorro

 

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem Ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/11/22/noticiaaquitemciencia,3351006/jovens-cientistas-de-escolas-publicas.shtml

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Preservando a maternidade

Na coluna passada, comentei sobre casais que precisam de ajuda médica para ter filhos. Uma das soluções, como vimos, é a fertilização in vitro. Hoje vou falar sobre a situação bem mais dramática de mulheres jovens e férteis com câncer de colo de útero.

 

Esse tipo de câncer é o segundo mais frequente entre mulheres, com quase meio milhão de casos diagnosticados a cada ano em todo o mundo. Perde apenas para o câncer de mama. O pior é que um terço desses casos ocorre quando a mulher ainda está em seu período reprodutivo. O principal responsável por esse tipo de câncer é o vírus HPV, em geral transmitido pelas relações sexuais. A detecção é feita por um exame chamado popularmente de “papanicolau”, que deve ser feito por um ginecologista. Como, em geral, a mulher não sente nada quando a doença ainda não está em estágio avançado, é recomendado fazer o exame anualmente. Outras atitudes preventivas incluem a vacina e a prática de sexo seguro.

 

Quando o câncer é diagnosticado, o tratamento ortodoxo inclui sessões de radioterapia que podem levar a paciente à infertilidade. O problema torna-se ainda mais angustiante se a paciente estiver grávida. Como diz o professor Francisco das Chagas Medeiros, da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) da Universidade Federal do Ceará (UFC): “as mulheres sonham com a maternidade desde a infância. Se alguma descobre que não vai poder engravidar, o impacto é muito grande”.

 

Foi com essa preocupação que o professor Medeiros e seus colegas do Serviço de Ginecologia da Meac desenvolveram uma técnica que pode ser usada em mulheres com câncer de colo uterino e precisam de tratamento por radioterapia, mas ainda desejam ter filhos. O processo, chamado de “transposição ovariana lateral”, consiste em reposicionar os ovários da paciente retirando-os da linha de fogo da radiação. Desse modo, mesmo com o tratamento, é preservada sua função hormonal e reprodutiva. O procedimento é feito por via laparoscópica, isto é, usando apenas pequenos cortes no abdômen.

 

A técnica foi testada, inclusive, em uma paciente grávida, ainda jovem e com câncer de colo de útero em estágio avançado. Depois que o feto atingiu a maturidade pulmonar, podendo respirar fora do útero, foi feita uma cesariana para retirar o bebê. Na mesma ocasião, os ovários da paciente foram removidos da região pélvica e fixados em uma posição mais alta, no abdômen lateral. Só então, deu-se início à radioterapia.

 

Por se tratar de paciente grávida, o trabalho foi feito por uma equipe envolvendo obstetras, pediatras e cirurgiões. O cirurgião responsável foi o professor Manuel Oliveira, juntamente com a médica residente Gilvânia Zaparoli. Essa foi a primeira vez na medicina que o procedimento foi feito em uma mulher grávida, salvando o bebê e a mãe, e preservando a capacidade reprodutiva da paciente. Como disse o professor Medeiros: “Salvamos o bebê, a vida e o ovário da mãe. É um tempo de esperança que se vislumbra para esse tipo de câncer”.

 

Salvamos o bebê, a vida e o ovário da mãe. É um tempo de esperança que se vislumbra para esse tipo de câncer

 

Teatro

Outra preocupação do professor Francisco Medeiros se refere à forma como os jovens estudantes de Medicina aprendem a interagir com os pacientes. Essa interação costuma ser mais complicada no caso de ginecologistas. Com a intenção de tratar desse problema de forma criativa, a equipe do professor Medeiros está usando teatro para simular um atendimento que põe, frente a frente, médico e paciente. Os atores são os próprios estudantes e a encenação é feita na presença de pessoal que trabalha no atendimento de mulheres com vários tipos de casos a serem diagnosticados. A ideia é melhorar a relação entre o médico e sua paciente quando a consulta real acontecer.

 

Segundo o professor Medeiros, essa iniciativa pode também ser útil no caso do Revalida, o exame que é feito para avaliar e qualificar médicos estrangeiros que desejam trabalhar no Brasil. Dessa forma, será mais fácil transmitir a esses médicos alguma noção de como é feito o atendimento médico no País e informá-los sobre as características dos pacientes com os quais terá de interagir.

 

Em uma visita do professor Medeiros à Seara da Ciência da UFC surgiu a possibilidade de envolver nesse projeto a equipe de teatro científico da Seara. Essa colaboração poderá ser útil e proveitosa para os dois grupos de atuação.

 

DENGUE

Em abril deste ano, aqui na coluna, relatamos o trabalho do professor Luiz Carlos Rey e sua equipe testando uma vacina da dengue em Fortaleza. Agora, temos notícias bem mais novas sobre esse trabalho e seus resultados. Em artigo que saiu essa semana na revista The New England Journal of Medicine, pesquisadores de vários países, inclusive o professor Rey, reportam sobre o sucesso de uma vacina tetravalente testada em crianças de cinco países da América Latina.

 

A eficácia da vacina ultrapassa 80%, como observado em um período de 25 meses. Além disso, nesse período não surgiram evidências de efeitos adversos da vacina. Tomara que essa vacina seja distribuída em breve pelos órgãos de saúde pública do Brasil.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/11/08/noticiaaquitemciencia,3343976/preservando-a-maternidade.shtml

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15 anos de Vitória

Como diria meu amigo e parceiro Antônio José Silva Lima, médico de muita gente nessa cidade, a forma mais prazerosa de se fazer um filho ainda é a tradicional. Nas palavras de Carlos Drummond de Andrade, o procedimento consiste em “deitar, copular e esperar que do abdômen brote a flor do homem”.

Só que isso nem sempre funciona. O próprio Antônio José tinha mais de 60 anos quando casou com a arquiteta Tatiana, bem mais nova que ele. Ela queria ter filhos, é claro, mas a gravidez não chegava e o casal procurou auxílio especializado. Os exames mostraram que a moça tinha algum problema que impedia a fertilização do óvulo no útero. Quem conhece o Zé já poderia imaginar seu comentário: “ninguém vai acreditar que a culpa não é do velho”.

 

O casal resolveu, então, tentar a fertilização in vitro (FIV), recurso da medicina moderna que tornou possível o chamado “bebê de proveta”. O resultado não poderia ser melhor, pois trouxe João, hoje esse menino feliz que vemos na foto com os pais.

 

João foi uma das mais de 800 crianças geradas pela FIV no Ceará, desde outubro de 1999, quando nasceu Vitória Sheryda Sousa, primeiro bebê de proveta cearense. O médico que trouxe ao mundo tanto Vitória quanto João foi meu xará Evangelista Torquato. Atualmente, esse procedimento que fez a felicidade de muitos casais cearenses com problemas de fertilidade, já pode ser considerado como rotineiro, mas, há 15 anos, foi uma façanha admirável da nossa medicina.

 

A técnica consiste em fertilizar óvulos da mãe com espermatozoides do pai fora do útero, e o processo é dito “in vitro” por ser feito em uma placa cilíndrica e rasa de vidro chamada “placa de Petri”. O termo “bebê de proveta”, portanto, não é bem correto, pois a fertilização não se dá nesses tubos de laboratório. Depois que a fertilização acontece, os óvulos fertilizados são deixados em um meio de cultura por cerca de cinco dias e depois transferidos para o útero da mãe. Em casos de mulheres que não podem receber seus óvulos fertilizados por apresentarem algum problema fisiológico, pode-se ainda usar o recurso de uma “barriga de aluguel”, transferindo os embriões para uma mulher saudável que concorde com a solução. Essa prática é permitida no Brasil com algumas restrições legais.

 

Como o custo do procedimento da FIV é relativamente alto, o usual é implantar mais de um embrião para aumentar a chance de gravidez. Dessa forma, também aumenta a possibilidade de nascerem gêmeos. Com o refinamento da técnica, essa chance vem diminuindo, mas ainda é cerca de 20 vezes maior que o número típico em fertilizações naturais.

 

Outro ganho considerável trazido pela FIV é possibilitar mulheres com mais de 40 anos terem filhos com menos riscos. Atualmente, até mulheres com mais de 60 anos conseguiram ter filhos perfeitos através da técnica da FIV. O recorde, no momento, é de uma espanhola que teve gêmeos saudáveis com quase 67 anos de idade.

 

Quando a técnica surgiu, há mais de 30 anos, surgiram também muitas objeções, algumas dos próprios médicos, mas, a maioria por razões religiosas ou éticas. No início, temia-se que a FIV aumentasse o risco de produzir bebês com defeitos. Hoje, porém, está provado que o número desses casos na FIV não difere do número observado nos nascimentos por meios tradicionais. Alguns religiosos reclamam que vários embriões são criados no processo e descartados, sendo só alguns implantados no útero da mãe. No entanto, mesmo no processo “natural”, a grande maioria dos embriões gerados não consegue se prender à parede uterina e é eliminada, sem que a mãe nem tome conhecimento disso.

 

A verdade é que, em grande número de casos, essa é a única alternativa que resta a um casal que deseja ter filhos e não consegue por alguma razão fisiológica. Podemos mesmo dizer que a decisão de ter um filho recorrendo ao processo da FIV expressa até mais um ato de amor deliberado que ter uma gravidez pelo método usual, muitas vezes indesejada.

 

João foi uma das mais de 800 crianças geradas pela fertilização in vitro no Ceará, desde outubro de 1999

 

Marcos da fertilização in vitro

O primeiro “bebê de proveta” da história foi Louise Brown, que nasceu em 25 de julho de 1978, em Bristol, na Inglaterra. Os médicos que conseguiram esse milagre da medicina foram Patrick Steptoe e Robert Edwards. Esse último recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 2010 e morreu em 2013. Steptoe morreu antes de poder ser agraciado com o prêmio.

 

Louise Brown, hoje com 36 anos, vive em Bristol e é mãe de dois filhos nascidos pelo método ortodoxo.

 

Em outubro de 1984, nasceu Ana Paula Caldeira, no Paraná, primeira criança brasileira concebida pelo processo da FIV. Hoje ela é uma nutricionista em Curitiba e tem ótima saúde.

 

Também em outubro, no ano de 1999, nasceu Vitória Sheryda Sousa, primeiro bebê de proveta cearense. Agora com 15 anos, Vitória é uma bela mocinha que pode se orgulhar de ser a primeira de uma sucessão de mais de 800 reproduções in vitro no Ceará.

 

Parabéns a essas três pioneiras e aos competentes médicos que possibilitaram essas histórias de sucesso.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/10/25/noticiaaquitemciencia,3336146/15-anos-de-vitoria.shtml

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Papai, eu quero ser físico

Pais e mães ficam desconcertados ouvindo essa declaração de seu filho prestes a fazer o Enem. “Coitado, vai acabar sendo professor de escola pública na periferia. E o salário, ó…”.

Ser professor de escola pública é uma profissão digna, embora sofrida e mal remunerada. Mas, formar-se em Física, Química, Biologia ou Matemática não é, necessariamente, um passo inescapável para o magistério no ensino médio. O jovem pode seguir uma carreira de pesquisador, fazer doutoramento e, se demonstrar talento, poderá trabalhar em qualquer universidade no Brasil ou no exterior. A profissão de cientista tem essa vantagem: é uma atividade de âmbito internacional. Diferentemente das carreiras mais localizadas, como a Medicina ou a Engenharia, a tribo do pesquisador se espalha pelo mundo todo. É um bônus que pode compensar o salário ainda limitado, embora suficiente para manter a família.

Hoje em dia, porém, estão surgindo novas oportunidades para aqueles que decidem por carreiras científicas. No mundo atual, regido pela alta tecnologia, quem sabe matemática, física, biologia e outras ciências pode se candidatar a um bom emprego no campo empresarial ou criar sua própria empresa. Exemplos desse tipo começam a ser comuns. Vou citar um, de um rapaz que iniciou sua formação no Laboratório de Instrumentação Científica (LIE) do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), no tempo em que eu trabalhava por lá.

Giovâny Gomes, aluno egresso da Escola Técnica Federal do Ceará, foi bolsista do Centro Nacional de Desenvolcimento Científico e Tecnológico (CNPq) no LIE, acompanhando e colaborando na manutenção de lasers, espectrômetros e outros equipamentos sofisticados de pesquisa. Ao mesmo tempo, aprendia a fazer interfaces entre esses aparelhos e os microcomputadores que ainda eram novidade na época e cursava Engenharia Elétrica na UFC. Durante sua passagem como bolsista do LIE, aprendeu os truques que são a rotina de um laboratório de pesquisa e também a redigir e apresentar seus trabalhos em congressos.

Depois de formado, continuou trabalhando no LIE até que surgiu uma oportunidade que mudou sua vida profissional. Nessa época, fim dos anos 1980, os oftalmologistas cearenses começavam a utilizar seus primeiros lasers para fins cirúrgicos. Eram equipamentos caros e de manutenção difícil. Quando algum deles dava pane, era necessário trazer técnicos do Sul ou mesmo do exterior. Os médicos procuraram os físicos da UFC que usavam lasers para pesquisa em espalhamento de luz. Um dos pesquisadores consultados, o professor Erivan Melo, sugeriu que o grupo de médicos patrocinasse a ida de um técnico de bom nível para estagiar nas empresas fabricantes dos equipamentos, na Europa e nos EUA. O escolhido foi Giovâny, por sua experiência no LIE e por dominar o inglês.

No exterior, ele fez treinamento com o Excimer Laser e vários outros equipamentos para Cirurgia e Diagnóstico na área oftalmológica. Logo tornou-se técnico especialista na manutenção desses equipamentos. Em 1996, decidiu deixar a universidade, pois não dava mais para compatibilizar suas atividades na UFC com o atendimento da nova demanda profissional. Até hoje, continua trabalhando na manutenção de equipamentos oftalmológicos cuja complexidade aumenta continuamente.

Em 2002, Giovâny começou a se interessar pela área de rastreamento de veículos, que usava a tecnologia do sistema GPS, ainda uma novidade naquele tempo. Desenvolveu um software capaz de rastrear um veículo, fornecendo dados de quilometragem, velocidade, tempo de parada em determinado ponto e visualização em mapa do trajeto percorrido. Vendo o potencial de negócio da iniciativa criou, junto com amigos, a Kaboo Tecnologia, que já tem 11 anos de experiência vitoriosa. Com a expansão da Internet, desenvolveu ferramentas mais elaboradas que são utilizadas em frotas de distribuição de gás em vários estados do País. Esse trabalho foi agraciado, em 2012, com o Prêmio GLP de Inovação Tecnológica. Nas palavras do próprio empreendedor: “Foi muito gratificante fazer parte deste evento, pois me deu a oportunidade de voltar aos meus tempos acadêmicos, produzindo trabalhos científicos, só que desta vez aplicados ao mundo dos negócios.”

Casos como o de Giovâny, antes muito raros, estão começando a surgir com mais frequência. Uma boa formação acadêmica nas áreas científicas pode ser a porta mais natural para o desenvolvimento de empresas de inovação ou para trabalhos altamente especializados, com bons salários. Não desestimule seu filho, ou filha, se demonstrarem vontade de seguir uma carreira científica. O ambiente de pesquisa é estimulante e uma descoberta original é sempre muito gratificante. Nada se compara à alegria de alcançar um novo resultado na pesquisa, desbravando um terreno ainda desconhecido do conhecimento e publicando seus achados em revistas de grande impacto. Por outro lado, se seu filho preferir mesmo ensinar nas escolas públicas, o treinamento científico fará dele um professor diferenciado que saberá transmitir melhor o conhecimento e despertar o entusiasmo de seus estudantes.

Mamãe, quero ser matemática
Se a família reage mal quando um filho diz que quer ser físico, imagine se a princesinha da casa anunciar que quer estudar matemática. Isso é lá profissão de uma moça de família! Além do conceito pré-estabelecido de que mulheres não têm aptidão para os números.

Durante algum tempo, fui o coordenador da Olimpíada Brasileira de Física no Ceará e reparei que o número de meninas nessas competições era (e ainda é) bem menor que o de meninos. No entanto, se elas perdiam numericamente, não ficavam atrás na qualidade do desempenho.
Frequentemente, até se davam melhor que eles, pois eram mais tranquilas, já que não sofriam a mesma cobrança. Algumas chegaram a concorrer em olimpíadas internacionais e ganharam medalhas. Uma das que conheci era de uma família de médicos e demonstrava grande talento em matemática.

Os pais e irmãos queriam que ela seguisse a Medicina e até tentaram desestimular o interesse da moça pelas ciências exatas. Mesmo assim, ela conseguiu várias medalhas, inclusive em competições internacionais. No fim, a insistência dos familiares prevaleceu e ela fez vestibular para Medicina. Passou muito bem, é claro, e hoje provavelmente é uma médica competente. Mas, talvez, o Brasil tenha perdido uma grande matemática, quiçá no nível de nosso Artur Ávila, que ganhou recentemente a medalha Fields.

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/10/11/noticiaaquitemciencia,3328901/papai-eu-quero-ser-fisico.shtml)

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