Desde a década de 50, quando o físico americano Richard Feynman declarou que nosso ensino de ciências era muito ruim, pouco mudou, pelo menos no nível básico. O dado mais apontado para demonstrar esse estado calamitoso é o nosso desempenho no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Desde que essa avaliação internacional foi lançada, em 2000, patinamos nos últimos lugares entre os 65 países participantes. Em 2012, ficamos no 59º lugar em Ciências, 58º em Matemática e 55º em Leitura.
O diagnóstico é fácil de ser feito, resta saber se há algum remédio. Uma busca pelas fontes usuais aponta para os suspeitos de sempre: pouco investimento, baixos salários, técnicas educacionais obsoletas e assim vai. Aqui e acolá a gente encontra alguma proposta de solução.
Uma coisa é certa: a formação de professores de ciências nos cursos de licenciatura é decepcionante. São cursos quase sempre noturnos, habitados por gente que passa o dia trabalhando e outros que não conseguiram bom desempenho no Enem. O que é lamentável, pois o nível de formação de um professor de ciências deveria ser igual (ou melhor) que o de um bacharel. Sem falar que há uma disputa interminável e improdutiva entre os que valorizam mais a pedagogia e os que defendem a primazia do conteúdo. Mas, todos concordam que a interação entre esses cursos e as escolas de ensino fundamental e médio é quase inexistente.
Como não sou especialista no tema, procurei informações mais recentes. Sobre o Pisa, encontrei um livro que está fazendo muito sucesso, da jornalista americana Amanda Ripley, chamado As Crianças Mais Inteligentes do Mundo. Recomendo a leitura desse livro, mas, posso adiantar um rápido resumo das conclusões (“spoiler”): os países com os melhores resultados no Pisa não são, necessariamente, aqueles onde os professores são mais bem pagos, nem onde existe a melhor infraestrutura. O fator comum no ensino desses países é a alta qualidade, tanto dos professores quanto dos estudantes. Não se dá refresco a ninguém, tem mesmo é que se empenhar duramente no ensino e na aprendizagem. Sem muita teoria pedagógica, sem tecnologia avançada na sala de aula, apenas muito trabalho sério e dedicado.
Repetindo que não sou da área, acho que isso me permite dar pitacos sem me preocupar com dados e argumentos elaborados. Nessa veia, elenco a seguir algumas “sugestões” que me ocorrem sobre como contribuir para melhorar nosso desempenho no ensino de ciências – e de tudo mais – sem precisar gastar demais o pouco dinheiro que temos nesses momentos de crise econômica. Meus colegas professores me perdoem, mas não incluirei nessas sugestões nenhum pedido para melhores salários, embora concorde que eles estão muito baixos.
1Parcerias Público-Privadas: os colégios particulares, pelo menos os de Fortaleza, sabem preparar muito bem para os vestibulares, para o Enem e para as Olimpíadas. Basta ver os anúncios de página inteira nos jornais. Por que não levar esse tipo de ensino para a escola pública? Por que esses colégios não vão para a periferia? É claro: porque nesses locais o povo não tem dinheiro para pagar as altas mensalidades. Mas, o governo tem. Então, o governo poderia oferecer aos donos desses colégios ricos uma oportunidade deles atuarem nas regiões menos favorecidas. O colégio seria construído nas áreas carentes e receberia estudantes de baixa renda que deveriam contar com a mesma qualidade de ensino dos colégios das regiões nobres. As mensalidades seriam pagas pelo governo, sem atraso e sem inadimplência. Não seria necessário gastar dinheiro atraindo clientes que estariam automaticamente garantidos. Em contrapartida, o colégio deveria apresentar os mesmos altos resultados que alcança nos demais. Periodicamente, o governo avaliaria esses resultados e decidiria sobre a continuidade do programa, sua expansão ou cancelamento.
Na verdade, essa ideia não é nova, nem minha. Já existe no ensino superior, no Fies (Financiamento do Ensino Superior) e é um fracasso. Os pobres alunos que estão nesse programa acabam fazendo cursos irrelevantes, sem futuro no mercado de trabalho. E os donos das faculdades simplesmente embolsam uma grana que não teriam como ganhar se oferecessem esse tipo de ensino diretamente, sem o acesso ao dinheiro público. O resultado, como era de se esperar, foi o seguinte: assim que o MEC exigiu que os candidatos ao Programa tivessem nota superior a 450 no Enem, a procura pelas “faculdades” caiu mais de 30% e elas começaram a falir.
Em outras palavras, não adianta apenas boas intenções se os burocratas do MEC acabam sempre metendo os pés pelas mãos.
2A volta dos militares, não para governar, mas para ensinar. As escolas e colégios militares estão entre as melhores do nosso ensino público, com desempenho igual ou superior às instituições privadas. O Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) é considerado um dos melhores cursos de engenharia do Brasil. Ao que tudo indica, os milicos são bons educadores. Então, por que não aproveitar esse talento natural, disseminar mais colégios militares em todos os níveis, do fundamental ao superior? Criar colégios profissionais no Interior, dirigidos por corporações militares, por exemplo, em áreas estratégicas, seria uma aposta com muita chance de sucesso.
3A pesquisa científica no Brasil tem bastante sucesso (veja o gráfico). O número de publicações é alto e a qualidade vem melhorando sistematicamente. Entre as razões para esse sucesso estão o CNPq (Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa que financiam bem as iniciativas de nossos cientistas. Então por que não usar o mesmo esquema no ensino de ciência? Poderíamos ter um órgão de fomento lançando editais e concedendo auxílios a professores e coordenadores do ensino básico, com parâmetros e cobranças semelhantes às usadas pelos órgãos que financiam a pesquisa. Os bons professores, aqueles que têm iniciativa e conseguem bons resultados com seus alunos, poderiam receber bolsas e desenvolver projetos de melhoria do ensino fundamental e médio. A avaliação desses projetos seria feita através de metodologia semelhante à usada pelo CNPq ao julgar os resultados dos projetos de pesquisa.
Outras pessoas certamente terão mais propostas práticas para melhorar nosso ensino de ciências. Gostaria de conhecê-las e divulgá-las. Em breve, voltarei a esse tema dando atenção às iniciativas de divulgação e popularização da ciência e como elas podem dar boa contribuição no processo de trazer mais jovens talentosos para a carreira científica e tecnológica.
A pesquisa vai bem e o ensino vai mal
Enquanto nosso ensino de ciências vai mal, a pesquisa científica só cresce no Brasil. Como vemos na figura, o número de publicações em revistas acreditadas vem subindo sistematicamente.
Como explicar esse paradoxo, já que os pesquisadores passaram pelo ensino médio? Será que todos são oriundos de escolas privadas de boa qualidade? Ou será que a política de incentivo à pesquisa é boa e a educacional é falha?
Eis um problema para nossos pensadores mais qualificados. Só não adianta repetir os mesmos mantras (salários, carreira, infraestrutura), que
podem até serem legítimos, mas não contribuem para uma resolução rápida e eficiente dos problemas do ensino.
Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira
Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo
Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/03/28/noticiaaquitemciencia,3413693/como-melhorar-o-ensino-de-ciencia-no-brasil.shtml