A ciência explica as dunas

Se você está na praia, neste Carnaval, lendo esta coluna no jornal ou em seu tablet enquanto vê as belas dunas que enfeitam a costa do Ceará, siga na leitura, pois esse será nosso tema de hoje. Vamos falar do trabalho do físico alemão-cearense Hans Herrmann, professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Escola Politécnica de Zurique (ETH), na Suíça. Trabalhando com colaboradores brasileiros e de outras nacionalidades, Hans é hoje uma das maiores autoridades na ciência da formação e movimentação de dunas.

 

As dunas costeiras se formam pelo movimento da areia sob a ação do vento. Existem três mecanismos principais no transporte de areia pelo vento: a suspensão, a saltação e a difusão. A suspensão, que se dá com grãos de areia muito pequenos, não forma dunas, pois as partículas mais leves se deslocam demais, às vezes atravessando oceanos. A difusão, ao contrário, é muito lenta e se dá com grãos tão pesados que o vento não consegue mover. Já a saltação, processo que se dá com grãos de tamanhos intermediários, é o mecanismo que forma e movimenta as dunas.

 

Como o nome sugere, na saltação, os grãos de areia saltam da superfície e são acelerados pelo vento. 0s pesquisadores do grupo de Hans Herrmann descobriram que existe um limiar para a velocidade do vento acima do qual se forma um fluxo de grãos, como uma nuvem de areia que flutua acima do solo. Como a velocidade do vento cresce com a altura, alguns grãos podem armazenar tanta energia que, ao atingir o solo, arrancam muitos outros grãos, produzindo o fluxo que move a duna. É interessante que, por causa das colisões entre os grãos saltantes, existem muitos deles que se deslocam por grandes distâncias sem tocar o solo e podem atingir grandes velocidades.

 

A partir desse mecanismo de deslocamento e usando parâmetros como a velocidade do vento, a rugosidade do solo e a viscosidade do ar, Hans e seus colaboradores conseguiram montar um modelo matemático que descreve, com detalhes impressionantes, a formação e o movimento das dunas. Os valores dos parâmetros usados nas simulações são baseados em medidas feitas em vários locais do mundo, inclusive nas praias de Jericoacoara e nos Lençóis Maranhenses.

 

Sabe-se que existem vários tipos de dunas caracterizadas por suas formas. As mais conhecidas são as dunas chamadas de “barcanas”, que têm a forma de uma lua crescente com as pontas indicando a direção do vento. Outros tipos comuns são as dunas parabólicas e as dunas transversas.

Na figura 1, vemos o resultado de uma simulação de dunas que se formam a partir da praia. A cor indica a altura da areia, indo do azul (na altura do solo) ao vermelho que corresponde a uma altura de 5 metros. A forma de lua crescente é reproduzida com sucesso. A matemática usada nessas simulações é sofisticada e os programas de computador são intensivos, levando várias semanas em um PC Intel Core i5 para concluir uma simulação como essa vista na figura.

 

A partir do sucesso na simulação da formação das dunas, Hans e seus colegas investigaram vários aspectos curiosos do modo como elas se movimentam. Um resultado interessante surgiu ao descrever a colisão de duas dunas. As dunas menores são mais rápidas que as maiores, de modo que é comum que uma duna pequena alcance e se combine com outra maior que está na sua frente. Quando isso acontece, as duas dunas podem se misturar para formar uma só. Mas, observa-se que, em certos casos, a duna menor passa por cima da maior e continua se movendo sem mudar de forma ou tamanho, como se nada tivesse acontecido. Os pesquisadores conseguiram reproduzir esse fenômeno em suas simulações, como vemos na Figura 2.

 

Em outro trabalho, levaram em conta a influência da vegetação que pode já existir no caminho da duna ou se formar sobre ela quando as condições atmosféricas são favoráveis. A competição entre a vegetação e o movimento eólico pode resultar em uma modificação na forma da duna. Esse interessante caso de arranjo entre as duas influências também foi simulado com sucesso pelos pesquisadores. A Figura 3 mostra, na parte de cima, a sequência obtida em uma simulação e, na de baixo, fotos aéreas de dunas da costa nordestina. Observa-se, tanto no caso real quanto no simulado, a transformação de uma duna barcana em parabólica.

 

Como vemos, as dunas são ricos materiais de pesquisa, além de objetos de grande beleza natural. Para maiores informações sobre o trabalho de Hans e seus colegas, eis um local na internet:http://www.comphys.ethz.ch/hans/dunes.html
Simulando as dunas de Marte

O planeta Marte também tem dunas e elas têm formatos bem diferentes das nossas, aqui na Terra, como mostram as fotos obtidas por sondas que chegaram até lá. Hans Herrmann viu que essas dunas poderiam ser um excelente teste para seu sistema de equações e programas de simulação. Juntamente com colegas do Departamento de Física da UFC, utilizou esses recursos teóricos e computacionais na busca de uma descrição das dunas de nosso planeta vizinho. Os parâmetros, é claro, teriam de ser bem diferentes, pois a gravidade em Marte é bem menor que a da Terra e a atmosfera de lá é muito rarefeita. O primeiro resultado mostrou, como esperado, que o fenômeno da saltação de grãos de areia em Marte é muito mais intenso que na Terra, com velocidades até 10 vezes maiores. O resultado final que obtiveram foi de excelente qualidade como mostra a Figura 4 onde, na parte de cima vemos as formas exóticas das dunas marcianas e, na parte de baixo, os resultados das simulações que exibem grande semelhança com as fotos das sondas.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/02/14/noticiaaquitemciencia,3392459/a-ciencia-explica-as-dunas.shtml

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