O declínio do Mah

Segundo a geneticista australiana Jennifer Graves, o cromossomo Y, responsável pela existência de machos na espécie humana, pode desaparecer da face da Terra. Nas palavras da cientista: “Há 300 milhões de anos, o cromossomo Y tinha 1.400 genes; agora, tem apenas 50, cerca de 1/12 do número de genes no cromossomo X. Nesse ritmo, os genes desaparecerão do cromossomo Y em menos de 5 milhões de anos”.

 

Mulheres têm dois cromossomos X e homens têm um cromossomo X e outro Y. Basta ver uma foto dos cromossomos X e Y para se notar a diferença de tamanho, certamente relacionada com o número muito maior de genes no cromossomo X. Na verdade, não é o fato de ter cromossomos X e Y que faz um homem, nem ter dois X que faz uma mulher. O que nossas células fazem com esses cromossomos é que determina se o bebê será menino ou menina.

 

O cromossomo Y tem um gene (o SRY) que determina o sexo masculino da descendência. Se esse gene não estiver presente, o feto se desenvolverá como uma menina. Outros genes no Y acionam o desenvolvimento dos testículos e a produção de hormônios masculinos. Se algum desses genes sofre uma mutação deletéria poderá ser extinto pela seleção natural. O problema é que o cromossomo Y parece estar sujeito a uma alta taxa de variação e, por essa razão, pode se degradar rapidamente.

 

Com a extinção do cromossomo Y ou do gene SRY poderá até mesmo surgir outra espécie de humanos. Mas, essa nova espécie, se surgir realmente, não deverá ser assexuada como algumas lagartas, pois vários genes vitais, além do SRY, são exclusivos do homem. Isso, aliás, já ocorreu em algumas espécies de roedores e minhocas, que deixaram de ter o gene SRY no cromossomo Y, mas mesmo assim, continuam se reproduzindo. A geneticista acha que é possível que algum outro gene tenha assumido as tarefas do SRY, mas, ainda não sabe que outro gene é esse.

 

Outros cientistas discordam da australiana e chamam a atenção para o fato de que o cromossomo Y não perdeu nenhum gene desde que os humanos e os chimpanzés se separaram em espécies diferentes, há 6 milhões de anos. Outros pesquisadores, alguns da área de antropologia, começam a se preocupar com a perda do poder masculino nas sociedades industriais. Sintomaticamente, “anthropos” significa homem. Além disso, surgiu, recentemente, o perigo das mudanças ambientais. Nota-se que a contagem de esperma humano vem caindo nos últimos anos, talvez devido ao aumento médio da temperatura no planeta.

 

Chutando de vez o pau da barraca, há até quem pergunte para que é mesmo que serve o sexo. Como é sabido, muitas espécies podem se reproduzir sem usar esse processo, como é o caso das bactérias. E nem precisa ser unicelular para conseguir essa proeza. Uma dragoa de Komodo virgem pode ter filhotes. E existe um pequeno vertebrado, chamado de bdeloid rotifer, que sobrevive sem sexo há mais de 85 milhões de anos. Eu ia dizendo coitado, mas reparei que o termo não se aplica ao caso.

 

Um economista típico, calculando o custo-benefício da reprodução sexual pode concluir que não justifica o esforço. A reprodução assexuada é simples, requer pouca energia e produz o dobro de filhotes por mãe. Por que, então, o sexo para reprodução é o método preferido por quase todas as espécies de vertebrados?

 

A explicação mais aceita para esse aparente paradoxo apela para a diversidade nas espécies. A reprodução assexuada apenas reproduz clones da mãe. Na reprodução por sexo, os genes da mãe e do pai se misturam produzindo filhotes diferentes, aumentando a probabilidade de alguns deles serem capazes de sobreviver em vários ambientes.

 

Tem também, é claro, a questão do prazer, provavelmente um truque da evolução para nos convencer a praticar o sexo. O filósofo grego Demócrito desaprovava o sexo, pois, dizia ele, desvia a mente dos cientistas de seu trabalho intelectual. O físico Leon Lederman, prêmio Nobel de 1988, afirma que concorda com o grego, mas que o preceito vale apenas para os teóricos, pois os experimentais não precisam pensar.

 

Voltando às previsões alarmantes da geneticista australiana, temos de admitir que o sexo masculino talvez esteja mesmo correndo perigo. Cientistas já conseguiram fazer com que ovos de mamíferos se autofertilizem em laboratório. Com o avanço das tecnologias médicas, pode surgir, no futuro, algum tipo de reprodução in vitro sem o cromossomo Y. Será apenas uma questão de tempo até que a própria natureza também descubra esse truque.

 

O homem não era necessário

Quem disse isso foi Vinícius de Moraes, em seu poema O Dia da Criação. Só que ele também incluiu as mulheres como supérfluas, argumentando que sem Adão e Eva o paraíso ainda estaria disponível aos outros animais.

 

Os artistas, de vez em quando, conseguem se antecipar aos cientistas na previsão de mudanças, naturais ou não. A novela gráfica Y: The Last Man passa-se em um mundo no qual os homens são extintos, restando apenas as mulheres que, obviamente, vão ter de achar alguma forma de não serem também eliminadas.

 

A autora americana Gwineth Jones escreveu o livro Life, história ficcional de uma cientista parecida com Jennifer Graves que sofre vários dissabores por causa de suas teorias. O interessante é que esse livro foi publicado bem antes das lamentáveis declarações de Lawrence Summer, reitor de Harvard, sobre o pequeno número de mulheres cientistas de reconhecido valor.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem Ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2015/01/17/noticiaaquitemciencia,3377884/o-declinio-do-mah.shtml

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