Papai Noel pode existir

É fácil achar na internet argumentações que usam a Física para contestar a existência de Papai Noel. Começam fazendo estimativas do número de crianças que seriam agraciadas com presentes na noite de Natal. Descontando as crianças muçulmanas, judias, budistas e outras que não acreditam no bom velhinho, e estimando que, de cada três crianças habilitadas só uma comportou-se bem durante o ano, chega-se a uma cifra em torno de 90 milhões de casas a serem visitadas. Papai Noel dispõe de 30 horas para visitá-las, levando em conta os fusos horários. Isso quer dizer que ele tem que fazer quase 1000 paradas por segundo e dispõe apenas de 1 milésimo de segundo para entrar pela chaminé e depositar o presente em baixo da cama ou da rede da criança. No processo todo, ele precisar se deslocar com uma velocidade de uns 1000 quilômetros por segundo. Supondo que cada criança ganhe um presente pesando apenas 200 gramas em média (um iPhone ou uma Barbie, por exemplo), o peso a ser deslocado pelo trenó seria da ordem de 100.000 toneladas. Movendo-se com tanta velocidade, o trenó iria produzir enorme quantidade de calor devido ao atrito com a atmosfera. Papai Noel, trenó, renas e presentes seriam incinerados em frações de segundo.

 

Esses cálculos são limitados, pois se baseiam exclusivamente na Mecânica Newtoniana e na Termodinâmica Clássica e não levam em conta possibilidades oferecidas pela Relatividade Geral de Albert Einstein. Provavelmente são feitos por estudantes de Física ainda sem total formação em sua disciplina de trabalho. Vejamos as consequências de utilizar tais possibilidades.

 

O conhecido astrofísico Carl Sagan, em 1985, estava escrevendo um livro de ficção científica, intitulado Contacto. Nessa história, a heroína, uma astrônoma chamada Ellie Arroway, usa uma máquina projetada por uma civilização alienígena para se transportar até a estrela Vega, que fica a 26 anos-luz da Terra. A moça, que no filme de mesmo nome é vivida por Jodie Foster, consegue fazer a viagem de ida e volta em poucas horas. É claro que alguma tecnologia muito avançada deveria estar sendo usada na tal máquina. Sagan achava que um buraco negro poderia criar esse tipo de possibilidade, mas não tinha certeza e achou melhor pedir ajuda ao cosmologista Kip Thorne, uma das maiores autoridades do mundo em Relatividade Geral. Thorne entusiasmou-se com o desafio e passou a analisar o problema. Logo constatou que um buraco negro não servia para esse propósito, mas, outra estrutura permitida pelas equações de Einstein poderia ser a solução para o problema de Sagan. Essa entidade é chamada de “buraco de minhoca” (wormhole, em inglês) e pode, hipoteticamente, conectar dois pontos distantes do Universo através de uma espécie de túnel pelo hiper-espaço. Usando esse esquema, Ellie Arroway poderia fazer sua viagem em pouco tempo sem violar nenhuma lei física. Sagan incorporou a ideia de Thorne em seu livro e a máquina apareceu no filme de 1997, quando o astrofísico americano já tinha falecido. A figura ao lado, que ilustra o atalho por um buraco de minhoca, foi adaptada do artigo de Thorne e seu estudante Mike Morris.

 

Recentemente, Thorne foi de novo convocado por Hollywood e deu suporte científico ao diretor Christopher Nolan, no filme Interestelar que está em cartaz nos cinemas de Fortaleza. Um buraco de minhoca volta a ser construído nesse filme, dessa vez para transportar o herói, interpretado por Matthew McConaughey, para algum local muito distante do planeta Terra que está vivendo terríveis dificuldades ambientais. Esse ator, por sinal, também atuou no filme Contacto, como um religioso que passa o tempo todo questionando o ateísmo da mocinha cientista.

 

Pois bem, essa saída achada por Thorne também pode ser a solução para o problema de Papai Noel. Usando uma avançada tecnologia lapônica, o velhinho fica entrando e saindo de buracos de minhoca relativísticos que desembocam ao lado das camas das crianças boazinhas. Melhor até: segundo os cálculos de Thorne, um buraco de minhoca pode não apenas conectar locais muito distantes por trajetórias curtas, como também permite voltar ao passado. Desse modo, Papai Noel poderia entrar em um deles e sair na outra ponta em um instante anterior ao momento da entrada. Com esse truque, poderia haver um número arbitrário de Papais Noéis simultâneos, entrando e saindo nas pontas dos buracos de minhoca e distribuindo todos os presentes merecidos sem nenhuma das dificuldades inerentes da Física Clássica.

 

Com essa reconfortante constatação, resta desejar a todos um Feliz Natal e um Alegre Ano Novo.

 

Buracos de minhoca em Hollywood

Depois de assessorar Sagan em seu livro, Kip Thorne, juntamente com seu estudante Mike Morris, escreveu um artigo científico sobre uma possível produção de buracos de minhoca por civilizações avançadas. Nesse trabalho, eles mostram que as equações de Einstein podem ter soluções que permitem a formação desse tipo de estrutura no espaço de nosso Universo. Além disso, como a Relatividade tem a mania de misturar tempo com espaço, o artigo também mostra que atravessar um buraco de minhoca pode resultar em uma viagem no tempo, inclusive voltando ao passado. Os leitores versados em Relatividade Geral (ou seja, quase todos) certamente gostarão de ver, na figura, as equações da métrica de um buraco de minhoca tiradas do artigo de Thorne e Morris.

 

Em sua segunda assessoria cinematográfica, no filme Interestelar, Kip Thorne adorou a chance de ter acesso aos recursos de Hollywood e aproveitou o poderio computacional dos estúdios para fazer simulações praticamente impossíveis de serem feitas com os recursos disponíveis a um professor universitário aposentado como ele. Os resultados que obteve foram tão bons e inesperados que declarou a intenção de aproveitá-los para escrever mais alguns artigos sobre o tema.

Autor: José Evangelista de Carvalho Moreira

Coluna Aqui tem ciência – Jornal O Povo

Fonte: http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/12/20/noticiaaquitemciencia,3365304/papai-noel-pode-existir.shtml

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