A luz do Sol contém uma boa dose de radiação ultravioleta (UV). Quando essa radiação começa a penetrar em nossa atmosfera, sua energia é suficiente para quebrar uma molécula de oxigênio (O2) em dois átomos de oxigênio. Cada um desses átomos logo se associa a outro igual, reproduzindo uma molécula de O2, ou se liga a uma molécula de O2 já existente, formando uma molécula de O3, que é chamada de ozônio. Surge, assim, uma camada de ozônio nas partes altas da atmosfera (região chamada de estratosfera, de 20 a 40 km de altitude). O ozônio é instável e pode ser quebrado pela mesma radiação UV que o criou, produzindo uma molécula de O2 e um átomo de O. Portanto, nos dois processos, o ozônio absorve parte da energia da radiação UV do Sol, impedindo que ela atinja a superfície da Terra. Isso é bom, pois se toda a luz UV do Sol chegasse aqui em baixo a vida seria impossível já que esse tipo de radiação pode danificar seriamente as células de plantas e animais.
No início dos anos 1970, alguns cientistas estudaram os efeitos de vários compostos químicos, naturais ou artificiais, sobre o ozônio. Em 1978, os químicos Sherwood Rowland e Mario Molina, da Califórnia, apresentaram um modelo teórico segundo o qual o ozônio seria destruído pela presença do gás chamado CFC (Cloro-Fluor-Carbono), muito usado em geladeiras, aerosóis e extintores de incêndio. Consta que Molina se inspirou nas observações de James Lovelock, que fez medidas na Antártica e disse ter detectado CFC na atmosfera dessa região. Lovelock, mais tarde, ficou muito conhecido por sua Hipótese Gaia, segundo a qual a Terra toda seria algo como um grande organismo vivo.
Alguns pesquisadores resolveram investigar a validade das previsões de Sherwood e Molina. Um grupo americano iniciou um projeto envolvendo o lançamento de balões para recolher amostras na estratosfera e aferir a presença do CFC e suas reações com o ozônio. Foram escolhidos locais de lançamento em cinco latitudes: no Ártico, no meio do Hemisfério Norte, perto do Equador, no meio do Hemisfério Sul e na Antártica. O local escolhido nas proximidades do Equador foi o Ceará, onde as condições logísticas eram bastante adequadas. Foi feito um convênio com o Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) e os lançamentos de balões começaram em 1980 na Fazenda Normal do Governo do Estado, em Quixeramobim. Vários lançamentos aconteceram ao longo de dois anos. Os balões cheios de hélio subiam carregando esferas de aço completamente evacuadas com válvulas que abriam por breves momentos capturando amostras do ar. Quando o balão atingia uma altura de 30 km, o conjunto de esferas era solto e caía de paraquedas, recolhendo amostras em altitudes variadas até atingir o solo. As esferas eram recuperadas e enviadas de volta aos EUA, onde as amostras de ar eram analisadas.
Inicialmente, usou-se um avião da Funceme para informar o local em que a carga chegava ao solo. Mas logo ficou claro que era mais simples colocar um aviso junto do equipamento solicitando a quem o encontrasse que fizesse uma ligação para a rádio Voz de Cristal em Quixeramobim. O pessoal da rádio telefonava para a fazenda e a equipe de resgate se deslocava para o local na Kombi do Departamento de Física. Um paraquedas colorido caindo com reluzentes esferas não podia passar despercebido e sempre havia muita gente excitada em torno do equipamento que caía no solo do sertão. Todas as cargas foram recuperadas durante o tempo em que o projeto se estendeu.
Os resultados das medidas deram algum suporte às previsões do modelo teórico. Começou então um intenso movimento reunindo cientistas e ecologistas para proibir o uso do CFC. Na época, a indústria desse gás, que movimentava cerca de 8 bilhões de dólares por ano, esperneou bastante tentando desacreditar os resultados das pesquisas. Mas, em 1985, cientistas ingleses descobriram algo que ficou conhecido como o “buraco de ozônio”, uma região do tamanho do Brasil sobre a Antártica onde a camada de ozônio tinha concentrações menores que a metade da média usual. Com o anúncio dessa descoberta espalhou-se o pânico. A advertência dos meteorologistas, associada à gritaria dos ecologistas, exigiu o banimento do CFC e sua substituição por produtos que não fossem danosos ao ozônio.
Em 1987, foi celebrado o Protocolo de Montreal pelo qual todos os países das Nações Unidas se comprometeram a abolir o uso do CFC. Até hoje, essa foi a única decisão unânime das Nações Unidas. Rowland e Molina ganharam o Prêmio Nobel de Química em 1995 e todos comemoraram o salvamento da vida no planeta.
O ozônio absorve parte da energia da radiação UV do Sol, impedindo que ela atinja a superfície da Terra
Desafinando o coro dos contentes
Nem todo mundo concordou com o banimento do CFC. Um dos primeiros dissidentes foi o meteorologista alagoano Luiz Carlos Molion. Desde o início ele contestou as reações do modelo apresentado pelos cientistas da Califórnia, que não tinha sido testado em laboratório. Além disso, o ozônio se forma pela incidência da luz solar na estratosfera, principalmente nos trópicos, onde a incidência de UV é mais intensa, e é levado aos polos pelos ventos estratosféricos. Durante o longo inverno na Antártica, não há radiação UV para criar ozônio na região e ainda surge um grande anel de ventos, o Vórtice Circumpolar, impedindo a entrada de ozônio na região. É natural, portanto, que um “buraco” se forme nesse período, todos os anos.
Hoje, o buraco de ozônio continua surgindo todo ano com praticamente o mesmo tamanho de antes. E, em 2007, cientistas da Nasa mostraram que uma das reações do modelo de Molina e Sherwood é 1dez vezes menos eficiente do que o previsto teoricamente pelos nobelistas. O próprio Lovelock declarou-se desapontado com o desdobramento da questão, mas, a maioria dos apoiadores do banimento do CFC ainda considera que essa iniciativa foi uma grande vitória da ciência e dos ambientalistas.
Molion continua firme em suas críticas e agora é um descrente do chamado “aquecimento global”. Mas essa é outra história que poderá ser contada em alguma ocasião futura.
Autor: José Evangelista Moreira
Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/06/07/noticiaaquitemciencia,3262351/o-buraco-de-ozonio-em-quixeramobim.shtml)