Medindo o peso da luz

Na semana passada, meu colega nesta página, professor Dermeval Carneiro, lembrou o famoso eclipse total do Sol que aconteceu em Sobral, em 1919, e serviu para comprovar as previsões da Relatividade Geral de Einstein. Como estamos hoje até mais perto da data (29 de maio), pegarei carona no assunto. A narrativa do evento em si já foi muito bem feita pelo próprio Dermeval e pela escritora cearense Ana Miranda, em seu excelente livro O Peso da Luz, cuja leitura eu recomendo.

Aqui, tratarei especificamente do fenômeno observado, o desvio de um feixe de luz ao passar perto de uma grande massa, como o Sol. Tentarei explicar porque esse desvio acontece usando apenas alguns argumentos e recursos gráficos bem simples.

Começo dizendo que o desvio da luz de uma estrela pelo Sol já fora previsto bem antes de Einstein, pelo alemão Johann Soldner, supondo que a luz fosse feita de partículas, como dizia Newton. Galileu mostrou que todo objeto material cai com a mesma aceleração, sob a influência da gravidade. Uma bola de boliche e outra de pingue-pongue, soltas ao mesmo tempo da mesma altura, chegam ao solo no mesmo instante. Pelo menos, chegariam se não fosse a resistência do ar. Ora, se a aceleração do corpo que cai não depende da massa do corpo, uma partícula de massa muito pequena, talvez nula, deve cair do mesmo jeito que qualquer outra.

Solner calculou o desvio da luz de uma estrela distante quando o feixe luminoso passa próximo do Sol, usando as equações de Newton, e chegou a um resultado numérico: o feixe seria desviado de um ângulo equivalente a 0,84 segundos de arco. Seu artigo com esse resultado foi publicado em 1803 e solenemente ignorado pela comunidade de astrônomos da época. E o pessoal até tinha razão para isso. No mesmo ano do artigo de Soldner, o inglês Thomas Young mostrou que a luz não é feita de partículas, mas é uma onda. E ondas de luz não deveriam ser desviadas pela ação da gravidade. Mesmo que fossem, esse desvio previsto por Soldner era pequeno demais para ser medido com os telescópios da época. E só poderia ser observado durante um eclipse total do Sol, evento raro e que, tirante Sobral, tem o mau costume de acontecer em locais ermos, longe dos centros civilizados.

O assunto foi esquecido e só voltou a ser discutido quando Albert Einstein declarou, no início do século 20, que a velocidade da luz no vácuo é uma constante inabalável, que não depende de nenhuma influência externa. Einstein logo concluiu que a luz deveria, realmente, se desviar sob a ação de uma grande massa. Na interpretação relativística, o desvio não seria causado por uma força, como dizia Newton, mas por uma deformação no espaço ao redor da massa. Podemos apelar para a conhecida analogia de uma cama elástica representando o espaço e uma esfera pesada arremedando o Sol. O feixe de luz é desviado ao passar pela deformação do espaço ao redor do Sol (ver imagem ao lado).

Aí então, surgiu outro problema para Einstein resolver. Imagine um feixe de ondas de luz propagando-se em linha reta. Todas a partes das cristas da onda devem se deslocar com a mesma velocidade, segundo a relatividade. Mas, se o feixe for desviado, parece claro que a parte da crista que está mais perto do Sol percorre uma distância menor (A-B) que a outra parte que está mais longe (C-D). E ambas levariam o mesmo tempo, pois quando a frente A chega em B, a frente C deve também chegar em D. Em outras palavras, a velocidade da luz percorrendo C-D seria maior que a velocidade da luz percorrendo A-B (ver imagem ao lado).

Isso é uma heresia, deve ter pensado Einstein. A velocidade é sempre a mesma para qualquer parte das cristas. Para manter a constância da velocidade da luz, só há um jeito: o tempo passa mais devagar perto do Sol que longe dele. Isto é, quanto mais próximo um relógio estiver de uma grande massa, mais lento será seu ritmo ao marcar a passagem do tempo.

O valor calculado por Einstein, levando em conta a deformação do espaço e a variação no ritmo do tempo, foi o dobro do valor previsto por Soldner, isto é, 1,7 segundos de arco. Esse foi o ângulo efetivamente observado e medido em Sobral, comprovando as audaciosas ideias de Einstein sobre a relatividade do espaço e do tempo, ideias que o levaram, com grande justiça, à condição de superstar da ciência.

Para manter a constância da velocidade da luz, só há um jeito: o tempo passa mais devagar perto do Sol que longe dele

Como envelhecer devagar

Imagine dois gêmeos que, no instante em que nasceram foram separados. Um deles fica sempre no térreo do prédio onde ambos moram e o outro passa toda sua vida no 20º andar. Quando o gêmeo de cima completar 40 anos, por exemplo, o de baixo será um pouquinho mais novo. A diferença será muito pequena, é verdade, pois a massa da Terra não é tão grande na escala cosmológica. Mas o efeito é real e tem de ser considerado.

Os satélites do sistema GPS estão a 20 mil quilômetros de altitude e carregam relógios de grande precisão. A posição de alguém, na superfície da Terra, é determinada pelo tempo que um sinal de rádio leva entre cada satélite e o aparelho na superfície, que também tem um relógio muito preciso. E, como já sabemos, os relógios em órbita e na superfície batem em ritmo diferente. Se a correção, pela Relatividade Geral, não fosse levada em conta, as coordenadas informadas pelo aparelho logo estariam completamente erradas.

Mais detalhes em:
www.seara.ufc.br/especiais/fisica/sobral1919/sobral.htm

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/05/24/noticiaaquitemciencia,3255261/medindo-o-peso-da-luz.shtml)

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