Intimando com um parasita

Segundo os professores Anastácio Queiroz Sousa, da Faculdade de Medicina da UFC, e Richard Pearson, da Universidade de Virginia, o parasita causador da leishmaniose cutânea foi trazido para o Ceará, no início do século XX, por cearenses que retornavam da Amazônia depois de se desiludirem com a extração da borracha. Esse parasita já existia na América desde os tempos dos incas, mas só apareceu por aqui bem mais tarde. No Ceará, o primeiro caso comprovado data de 1909. O sanitarista paraense Gaspar Vianna tratou pacientes dessa doença em nosso estado. Vianna foi quem mais estudou a enfermidade no início do século passado. O nome dado por ele ao parasita, em 1911, é hoje conhecido como Leishmania (Viannia) braziliensis. Em 1912, Vianna introduziu um tratamento para a doença usando o antimônio trivalente.

No Brasil, de 1980 a 2005, foram reportados mais de 600.000 casos dessa enfermidade deformante. Provavelmente, o número real de casos é bem maior, pois muitos que surgem nas zonas rurais não entram nas estatísticas. O Ceará é um dos estados mais afetados. Nesse relato, falarei sobre alguns dos trabalhos do dr. Anastácio e seus colaboradores destacando dois resultados expressivos alcançados pela equipe no diagnóstico e no tratamento da doença.

O método usual de detecção da L. (Viannia) braziliensis é o exame de histopatologia. É feito ao microscópio, por um patologista, usando o material obtido em uma biópsia. O resultado costuma demorar vários dias. Um novo método foi testado pelo dr. Anastácio e sua equipe do Hospital São José e da Universidade Federal do Ceará, de 2011 a 2013. Nesse processo, são usadas amostras retiradas das bordas das úlceras e prensadas entre duas lâminas de vidro. Em inglês, o método chama-se “press-imprint-smear”, ou em cearencês, “imprensar-marcar-espalhar”. O conjunto é fixado com metanol, corado com Giemsa e examinado em microscópio com aumento de 100 vezes.

O diagnóstico da L. (Viannia) braziliensis por esse processo simples atingiu acerto em mais de 92% dos casos. Esse número de acerto é quase o dobro do alcançado pelo método histopatológico. E mais: todo o exame pode ser feito e relatado em cerca de 1 hora por um técnico treinado. Tudo isso torna o método ideal para uso em áreas rurais, onde a incidência da doença é maior e os recursos mais escassos. Atualmente, a equipe estuda o uso dessa técnica na detecção de outras doenças parasitárias.

Um segundo caso de sucesso do grupo do Dr. Anástacio surgiu do uso do fluconazol no tratamento da L. (Viannia) braziliensis. O fluconazol é conhecido como eficiente no tratamento da Cândida, aquela coceirinha chata e persistente causada por fungos.

Desde a década de 1940, o tratamento mais comum para a leishmaniose cutânea usa o antimônio penta-valente, com eficiência limitada e vários efeitos colaterais indesejáveis. Além disso, essa droga é administrada com injeções, o que exige pessoal qualificado. A anfotericina também é usada, mas causa efeitos desagradáveis e é cara.

O grupo do dr. Anastácio testou o uso do fluconazol por via oral em pacientes com contraindicações ao processo usual, como pessoas com diabetes ou problemas cardíacos. Incluiu, também, pessoas que não mostraram melhoras com o tratamento ortodoxo. Todos os pacientes testados tinham apresentado diagnóstico comprovado de L. braziliensis.

Das 28 pessoas que participaram do teste, 25 foram curadas, o que significa um sucesso em 89% dos casos. Todos que tomaram as doses máximas de 8 mg/kg estavam curadas em 4 semanas. Não apareceram efeitos indesejáveis em nenhum dos pacientes. Dos 25 curados, 23 não tinham feito nenhum tratamento prévio da leishmaniose cutânea. Os outros 2 tinham tentado o antimônio penta-valente sem sucesso.

O pulo do gato da equipe, nessa pesquisa, foi testar doses mais altas de fluconazol que aquelas usadas em outros estudos e levar em conta o peso do paciente. O uso desse medicamento tem várias vantagens evidentes. O tratamento com o fluconazol é 12 vezes mais barato que o tradicional, com antimônio penta-valente. Além disso, como é aplicado por via oral, o paciente pode tomar a droga em casa, sem precisar se deslocar para um hospital para aplicação de injeções. O passo seguinte da pesquisa será testar o fluconazol em outros tipos da leishmania.

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/05/10/noticiaaquitemciencia,3248229/intimando-com-um-parasita.shtml)

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