A vacina da dengue está chegando

Os cientistas vêm tentando fazer uma vacina contra a dengue há décadas. Não tem sido fácil porque a dengue é uma doença que só ataca os humanos, logo, não dá para testar a vacina em animais. Além disso, o vírus da dengue não é um, são quatro (tipos 1, 2, 3 e 4). Se você pegar um desses tipos, seu sistema imunológico vai desenvolver uma proteção específica para esse tipo, mas não vai lhe proteger dos demais. E quem é infectado por um dos tipos do vírus tem mais chance de enfrentar complicações perigosas se depois pegar outro tipo. Portanto, qualquer vacina, para ser segura e eficaz, tem de proteger contra os quatro tipos, simultaneamente. Isto é, a vacina deve ser tetravalente.

O vírus da dengue e o vírus da febre amarela têm vários pontos em comum. Ambos são “flavivirus”, nome que vem do latim “flavus”, que significa amarelo. Ambos são transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti, que hoje infesta todas as grandes cidades brasileiras. Esses vírus se constituem de um corpo contendo uma cadeia de RNA recoberto por uma membrana e um envelope de proteínas. As proteínas do vírus da dengue, porém, são diferentes das proteínas do vírus da febre amarela.

No momento, algumas vacinas tetravalentes estão sendo testadas em vários países do mundo, três delas no Brasil. Vou tratar apenas de uma, que é de interesse para nós, pois está sendo testada aqui em Fortaleza. Essa vacina foi desenvolvida pela empresa francesa Sanofi Pasteur e já passou por duas fases de testes em dez países do mundo até 2012 para verificar se tinha efeitos indesejáveis. Os voluntários receberam três doses em um ano. Após esse tempo, apresentaram um aumento significativo nos anticorpos neutralizantes produzidos pelo sistema imunológico e praticamente nenhuma reação desagradável.

A vacina tetravalente testada no Ceará utiliza o vírus da vacina contra a febre amarela, chamado de VFA 17D. Ela é usada há mais de 40 anos no Brasil e é comprovadamente segura. Para ser usada contra a dengue essa vacina tem de ser modificada. Os cientistas conseguiram trocar as proteínas que formam a pré-membrana e o envelope do vírus VFA por outras que são parte dos quatro tipos de vírus da dengue. O novo vírus obtido pode imunizar contra a dengue, mas deixa de funcionar contra a febre amarela. Essa forma de vacina é chamada de “quimérica”, em alusão aos seres mitológicos feitos com partes de dois animais diferentes. Se funcionar como esperado, esse vírus quimérico, com corpo de vírus da febre amarela e pele de vírus da dengue (dos 4 tipos), induzirá a produção de anticorpos que poderão proteger o vacinado contra todos os tipos de dengue, pelo resto da vida. Testes já feitos na Tailândia indicaram boa proteção contra os vírus dos tipos 1, 3 e 4, mas, efeito limitado contra o vírus tipo 2.

Em Fortaleza, os testes vêm sendo coordenados pelo professor Luis Carlos Rey, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Foram vacinadas 600 crianças de 9 a 16 anos, a partir de 2011. De lá para cá, elas estão sendo acompanhadas para observar qualquer caso de febre. O acompanhamento envolve contatos telefônicos semanais e, se necessário, visitas domiciliares. Como contou o professor Luis Carlos, foi montado um serviço pesado de “telemarketing” para não perder de vista os recipientes dos testes. Sempre que surge um caso de febre em algum deles, são colhidas amostras de sangue para teste de dengue e para verificar a presença de anticorpos. Se os resultados desses testes forem bons, a empresa pedirá o registro e, se aprovada, a vacina poderá ser aplicada daqui a uns dois anos. Por enquanto, o jeito é tentar driblar o mosquito.

O Ceará e as vacinas
Rodolfo Teófilo produziu e utilizou suas vacinas contra a varíola no Ceará no início do século 20, dando partida ao processo que erradicou essa doença terrível em nosso Estado. Essa história é contada no excelente livro “O Poder e a Peste”, do jornalista Lira Neto, e foi tema da peça “Cearense por Opção”, apresentada pela equipe de Teatro Científico da Seara da Ciência da UFC, em 2010, no Teatro do Centro Dragão do Mar.

Se a vacinar funcionar como o esperado, induzirá a produção de anticorpos que poderão proteger contra todos os tipos de dengue, pelo resto da vida

Receita

Vacina da dengue
1. Pegue 4 vírus usados na vacina da febre amarela e retire as cadeias de RNA. Transforme-as em cadeias de DNA por uma reação reversa. Em cada uma dessas cadeias, recorte cuidadosamente as seções que orientam a produção das proteínas da pré-membrana (M) e do envelope (E).

2. Substitua essas seções por suas equivalentes encontradas em cada um dos quatro tipos do vírus da dengue. Volte à forma de RNA por outra reação e coloque novamente nos vírus. Dessa forma, em cada um desses novos vírus as camadas externas passarão a ser feitas de proteínas de um dos quatro tipos de vírus da dengue.

3. Faça culturas para cada um desses novos vírus. Torça para que essas culturas proliferem rapidamente.

4. Misture bem e aplique.

 

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte: Jornal O Povo (http://www.opovo.com.br/app/colunas/aquitemciencia/2014/04/12/noticiaaquitemciencia,3234479/a-vacina-da-dengue-esta-chegando.shtml)

This entry was posted in Links Interessantes. Bookmark the permalink.

Comments are closed.