Notícias do Papoco

Nosso assunto de hoje é a diarreia. Não aquela que castiga quem exagera no arroz de pequi com manteiga da terra. Outra bem pior, a diarreia infantil, que mata milhões de crianças no mundo. E, mesmo quando não mata, prejudica o crescimento, diminui o rendimento escolar e torna a criança mais vulnerável a outras doenças. Em Fortaleza, a incidência da diarreia infantil é grande em áreas como a Favela do Papoco, perto do Campus do Pici.
É lá que um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), juntamente com colaboradores de vários países, busca entender os mecanismos de ação da doença e descobrir formas de mitigar seus efeitos. Eles sabem que as infecções intestinais causam a desnutrição que, por sua vez, agrava o quadro da diarreia em um ciclo vicioso que precisa ser rompido.
Essa pode até parecer uma constatação trivial, mas alguns resultados da pesquisa foram inesperados e surpreendentes. Eles observaram que 18% das crianças da favela, entre os que apresentam um quadro grave de diarreia, são portadoras de um gene chamado Apoe 4. Todo mundo tem um gene do tipo Apoe, mas carregam variações chamadas de Apoe 3 e Apoe 4. Estima-se que 20% das pessoas em todo o mundo possuam o Apoe 4 em seus genomas. No caso das crianças da favela, os cientistas descobriram que aquelas que portam a mutação Apoe 4, mesmo sofrendo de diarreia braba, têm uma vantagem em relação às outras: são mais resistentes às infecções e apresentam melhor desempenho escolar.
O Apoe 4 faz parte de um grupo chamado de “gerontogenes”, isto é, genes cujas ações, para o bem ou para o mal, se intensificam na velhice. O Apoe 4 tem um papel já bem conhecido no transporte de colesterol para as células. O colesterol, apesar de sua má fama, é essencial para o bom funcionamento dos neurônios. Por essa razão, quando essa mutação surgiu no genoma de nossos ancestrais, deve ter sido muito útil para o aparecimento de vantagens cognitivas que chegaram até nossa espécie.
É curioso que o mesmo gene Apoe 4, tão benéfico na juventude, é um gene malvado na velhice, induzindo o surgimento de problemas cardíacos e de Alzheimer. Por que um gene que causa tantos malefícios não foi eliminado pela seleção natural? Como as malvadezas do gene só surgem depois que a idade reprodutiva da pessoa já se foi, os processos da seleção natural não conseguem eliminá-lo.
Compreender os mecanismos de atuação da diarreia e suas causas, além do interesse puramente científico, pode ser útil no combate à mortalidade infantil. Com essas descobertas relacionadas a fatores genéticos, os resultados de pesquisas nessa área podem ter impacto também no tratamento de doenças da velhice. Por essas razões, podemos aguardar novidades em um futuro próximo. Atestando a importância do trabalho, a equipe, além de receber financiamento de órgãos governamentais de fomento à pesquisa, conta com o apoio da Fundação Bill e Melinda Gates.
O leitor, a essa altura, deve estar com uma pergunta na ponta da língua – afinal, como essas pesquisas poderão contribuir para melhorar as condições das crianças da Favela do Papoco, principalmente daquelas que não contam nem com a ajuda do gene Apoe 4? Bem, há quem ache que essa tarefa não cabe aos cientistas. Afinal, já é amplamente sabido que condições sanitárias adequadas e bons costumes de higiene são suficientes para conter a disseminação da diarreia infantil. Portanto, o problema é mais de vontade política que de pesquisa científica. Cabe aos nossos governantes criarem vergonha e fazerem seu trabalho.
Os resultados obtidos no trabalho da equipe indicam algumas ações que poderão ser eficazes. Tenham paciência por enquanto, pois esse será o tema de uma coluna futura.
Compreender os mecanismos de atuação da diarreia e suas causas, além do interesse puramente científico, pode ser útil no combate à mortalidade infantil

 

Genética
Por que vivemos tanto?

Os humanos e os chimpanzés descendem de um ancestral comum que viveu há cerca de seis milhões de anos. Por essa época, deu-se uma divisão gerando ramos diferentes que desembocaram, nos dias atuais, nas duas espécies. Mesmo assim, depois de tanto tempo, os dois genomas têm mais de 98% em comum. Então, por que somos tão diferentes desses nossos primos genéticos? Uma das diferenças mais marcantes está na expectativa média de vida. A dos chimpanzés não chega aos 30 anos, enquanto a nossa já passa de 78 anos.

Quais as razões para essa enorme vantagem de nossa espécie? Várias delas são genéticas e algumas têm a ver com as mutações Apoe 3 e Apoe 4, que podem ser de grande utilidade no desenvolvimento da espécie. Os chimpanzés não carregam essas variantes em seus genomas. O Apoe 4 surgiu nos antropoides, que estão em nossa linhagem genética há cerca de 2 milhões de anos. O Apoe 3 apareceu há uns 300 mil anos. Portanto, essas mutações já existiam bem antes de nossos antepassados saírem da África para conquistar o mundo. E, provavelmente, tiveram papel preponderante no sucesso dos hominídeos, possibilitando a formação de cérebros mais vigorosos e de resistência a processos infecciosos debilitantes.

A professora sobralense conhecida como Dona Fifi, colaboradora frequente da página da Seara da Ciência na Internet, fez, recentemente, um relato bastante informativo e divertido dos fatores que aumentaram nossa longevidade. Ela fala também da possibilidade de nossa expectativa de vida ultrapassar os 100 anos, indagando, inclusive, se isso vale a pena.

 

Você pode ler esse texto em: www.seara.ufc.br/donafifi/longevidade/longevidade00.htm

 

Autor: José Evangelista Moreira

Fonte dessa notícia: Jornal O Povo, Fortaleza-CE (http://www.opovo.com.br/app/opovo/cienciaesaude/2014/02/15/noticiasjornalcienciaesaude,3206402/noticias-do-papoco.shtml)

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